DEZ ANOS DE “CHATÔ”, UM DOS MAIORES EQUÍVOCOS DO NOSSO CINEMA.

Em maio de 1999, a edição de uma revista de cinema publicou uma reportagem mostrando o início das filmagens de “Chatô, o Rei do Brasil”. O texto sobre o longa informava que o diretor estreante, o ator Guilherme Fontes (foto), tinha mais 56 dias para concluir a sua tentativa de fazer uma tragicomédia musicada sobre Assis Chateaubriand, o famoso magnata, que foi dono de jornais, emissoras de rádio e TV, além de ter criado o MASP (Museu de Arte de São Paulo) e, que leva seu nome.

O orçamento, inicialmente de R$ 8 milhões, teve um acréscimo de dois. Dez anos depois, o filme adaptado da biografia escrita por Fernando Morais continua inédito. Ou melhor, inconcluso, apesar dos dez milhões de reais. Uma das últimas notícias a respeito, em 2008, dizia de uma determinação do CGU (Controladoria Geral da União), para Fontes e sua sócia devolverem aos cofres públicos, cerca de 36 milhões de reais. É o valor atualizado do dinheiro que a produção captou por meio das leis de incentivo à cultura e ao audiovisual.

As justificativas apontadas por muitos para essa situação de sinfonia inacabada passam por acusações de má fé e incompetência. Se esta de fato existiu, incompetentes foram as autoridades que autorizaram verbas tão altas para um diretor estreante, que nem tinha exercido um trabalho como assistente de direção. A priori, um ignorante na área. Incompetente e pretensioso foi Fontes em sua proposta, em sua conduta canhestra e apoteótica. Ao perder o controle, devia passar o bastão para outro. Ou, pelo menos, tentar concluir o filme na mesa de montagem, com letreiros, ou outra solução, para não deixar “Chatô“ inédito. Seja qual for a razão que o impediu de concluir seu trabalho, Fontes desrespeitou o uso do dinheiro público. Afinal, essa grana imensa que poderia possibilitar uns três ou quatro longas, saiu da renúncia fiscal, deixou de ser um imposto sobre a renda capaz de gerar um hospital, um programa de casas populares, enfim muita coisa boa e essencial para o Brasil.

Há vários filmes inacabados, por falta de dinheiro. Eu mesmo fiz um curta com Lilian Lemmertz. O produtor sumiu na edição final. Não foi possível a sonorização. Mas a situação não envolvia verbas oficiais. A produção se deu nos anos de 1970, quando o cinema se auto-sustentava. E os salários foram pagos, não houve motivos para ações judiciais, como a do CGU. A lembrança do caso de Fontes vem no momento em que se discute novas fórmulas para o uso do dinheiro público em benefício das artes e da cultura. Por conta do mecenato oficial, nunca o nosso cinema teve tanto dinheiro na produção. Mas também nunca teve tantos fracassos, com faturamentos incompatíveis com os custos apregoados. Mas essa é uma outra questão.