DIRETOR CAMILO TAVARES FALA SOBRE O ÓTIMO “O DIA QUE DUROU 21 ANOS”.

A participação violenta e decisiva dos Estados Unidos no golpe militar brasileiro de 1964 está longe de ser uma informação nova. Porém, quando esta informação é lançada de forma inexorável diante dos nossos olhos e do nosso orgulho, com imagens, documentos históricos e depoimentos dos mais preciosos, o novo impacto daquilo que já era conhecido assume proporções que chegam a ser perturbadoras.

É isto que mostra O Dia que Durou 21 Anos, documentário de Camilo Tavares, que após ser aplaudido em mostras e festivais pelo Brasil, aguarda por uma data de lançamento em circuito comercial.

O resultado é ao mesmo tempo empolgante e atordoante. No filme, entre outras denúncias e constatações, o cineasta Jean Mazon, famoso por seus documentários ufanistas, é abertamente acusado de ter sido participante do braço de propaganda financiado pela CIA, a central de inteligência norte-americana. É mostrada também de forma incisiva e fartamente documentada a atuação do Instituto Brasileiro de Ação Democrática-IBAD como fachada da mesma CIA para a compra de parte da mídia e parte do senado brasileiro. O objetivo explícito era influenciar a opinião pública nacional favoravelmente a toda e qualquer ação proveniente dos Estados Unidos, além de instaurar o pânico contra a “perigosa comunização” do governo João Goulart. O documentário lembra ainda que, aos se instaurar uma Comissão Parlamentar de Inquérito-CPI para investigar a atuação do IBAD, o relator escolhido foi Rubens Paiva, que viria a ser assassinado pela ditadura, em 1971.

“A ideia do filme nasceu do premiado livro O Dia em que Getúlio Matou Allende, de autoria do meu pai, Flávio Tavares”, conta o diretor do documentário. “Inicialmente, pensamos em fazer um retrato de Flávio no golpe de 64, mas logo nas primeiras reuniões de roteiro descobrimos que ele tinha em mãos alguns telegramas originais do Departamento de Estado dos Estados Unidos, que conseguiu através de um amigo que trabalhava no Jornal do Brasil. Estes documentos tinham ficado arquivados por muitos anos, e percebemos que tínhamos obrigação de tornar isto público. A partir daí, a linha do filme mudou totalmente”, conta Camilo Tavares.

Mais do que “pai do diretor do filme”, o jornalista e escritor Flávio Tavares foi presidente da União Estadual de Estudantes-UNE no Rio Grande do Sul, comentarista político do jornal Última Hora, e um dos fundadores da Universidade de Brasília. Preso durante a ditadura, acusado de participar de ação armada para libertar presos políticos na Penitenciária Lemos de Brito, foi exilado para o México, onde passou a escrever no jornal Excelsior. Trabalhou também na Argentina, onde colaborou para a Folha de S.Paulo e Estado de S.Paulo.
Flávio fez parte do grupo de presos políticos trocados pelo embaixador Charles Elbrick, mas em 1977 foi sequestrado por militares de órgãos uruguaios ligados à repressão. Morou em Lisboa e retornou ao Brasil com a anistia de 1979. Vinte anos depois, publicou seu livro autobiográfico Memórias do Esquecimento. Atualmente com 78 anos, trabalha e mora na cidade de Búzios.

Os telegramas que Flávio guardou durante todos estes anos serviram de eixo narrativo do filme O Dia que Durou 21 Anos. “Direcionamos a pesquisa para investigar a fundo a documentação dos Estados Unidos entre 1961 e 1968, mudamos o foco da narrativa, e o filme passou a ter como ponto de vista a participação norte-americana no golpe”, explica Camilo.

Mesmo com a produção recente de um bom número de filmes brasileiros sobre a época da ditadura (embora o tema mereça ser lembrado sempre, para jamais repetirmos antigos erros), O Dia que Durou 21 Anos consegue trazer à luz informações que ainda estavam parcial ou até totalmente na obscuridade.
“A grande surpresa foi descobrir que John Kennedy, em 1962, já havia decidido derrubar João Goulart!”, diz Camilo Tavares. “A informação está registrada em telegramas e em uma gravação de áudio de uma conversa entre o presidente e Lincoln Gordon, embaixador americano no Brasil, na época”, diz o cineasta, que explica também como obteve o precioso material: “Robert Bentley, assessor direto do embaixador Lincoln Gordon , era conhecido do meu pai, em Brasília. Foi ele quem confirmou fatos importantes da conspiração civil americana para derrubar Jango, e a compra da mídia, de deputados e senadores pelo IBAD, que recebia muito dinheiro da administração Kennedy em 1962 e 63”.

Na visão de Gordon, João Goulart poderia vir a ter, para o Brasil, a mesma força que Perón representou para a Argentina, e alertou insistentemente Kennedy sobre este “perigo” contra o american way of life. Além de Gordon, o filme especifica também de forma clara e direta a atuação de Vernon Walters, adido militar dos EUA no Brasil, não somente como uma das grandes forças que levaram à queda de Jango, mas também como uma das mais importantes influências na escolha do nome do Marechal Castello Branco como o primeiro presidente da ditadura militar.

A produção de O Dia que Durou 21 Anos contratou pesquisadores em Washington e em Nova York, além de contar com o apoio do historiador Carlos Fico e da jornalista Denise Assis para levantar o máximo de documentos, áudios e imagens de televisão referentes a John Kennedy e a Lyndon Johnson sobre o Brasil.
“O acesso aos arquivos brasileiros foi mais difícil e penoso que o acesso aos arquivos americanos”, afirma Camilo. “Nos EUA, tudo é regulamentado pela Lei do Livre Acesso a Informação, a Freedom of Information Act-FOIA , que libera documentos classificados como top secret da CIA e da Casa Branca com o passar dos anos. Após muita pesquisa e dinheiro, conseguimos imagens inéditas das redes de televisão CBS e NBC. São arquivos muito caros, mas organizados e muito bem preservados”, explica.
Porém, o cineasta lamenta que no Brasil a situação seja oposta: “Só para dar uma ideia, basta dizer que no Arquivo Nacional do Rio de Janeiro e na Cinemateca Brasileira, em São Paulo, não encontramos quase nada do presidente João Goulart. Houve queima de arquivos do Jango e o material que existe está condições de difícil acesso, pois não foi digitalizado e não está bem catalogado. Muitas imagens importantes de nossa história, que são de domínio público, estão nas mãos de particulares que as negocia a preço de ouro”.

Sobre os arquivos e documentos oficiais brasileiros, Camilo faz uma provocação: “Imaginem se todas as conversas do palácio da Alvorada fossem gravadas e estivessem acessíveis ao público como estão as conversas feitas nos Estados Unidos. O Sarney nem queria liberar os documentos oficiais da Guerra do Paraguai, quanto mais os da ditadura!”, conclui.

Texto de Celso Sabadin publicado originalmente no Jornal da ABI – Associação Brasileira de Imprensa.