DIRETOR DE “ESSES MOÇOS” FALA COM EXCLUSIVIDADE AO NOSSO SITE

Pronta desde 2004, estréia neste final de semana a produção baiana “Esses Moços”, escrita e dirigida por José Araripe Jr. O cineasta conversou com exclusividade com o site Planeta Tela:

PLANETA TELA – “Esses Moços” é um filme de 2004 que chega aos cinemas em 2007. Pelo visto, o problema de exibição do cinema brasileiro continua grave…
ARARIPE – O Brasil está voltando a se apaixonar pelo seu cinema, mas o funil da exibição ainda está muito apertado. E sendo assim essa seleção “natural” repete a cadeia alimentar: o pequeno come o grande. Além de poucas salas nas mãos das grandes distribuidoras, faltam mecanismos e espaços para uma segmentação maior. “Esses Moços” mesmo teria um belo caminho a percorrer se tivéssemos cinemas de bairros e comunitários. Por não trilhar o caminho do glamour, o filme é recebido com muita empatia pelas pessoas que lutam no mundo real do terceiro setor.

PLANETA TELA – Fiquei muito impressionado com o trabalho das atrizes principais, as duas irmãs. Como você as encontrou e como foi o trabalho de preparação?
ARARIPE – Foram 300 testes. Chaeind e Flaviana, que iniciaram suas carreiras no teatro comunitário em região próxima à retratada, foram minhas escolhas imediatas. Elas já tinha uma preparação anterior, pois vinham da companhia Novos do Teatro Livre da Bahia. Foram mais três meses de preparação em trabalho de equipe, de mesa, palco e ensaios nas próprias locações. Elas contagiaram toda a equipe, não apenas pela grande alegria e disposição, mas pelo talento e profissionalismo, pois muitas vezes redecoraram os textos em meia hora.

PLANETA TELA – Como nasceu a idéia original do filme?
ARARIPE – A música de Lupicínio impregnada no meu inconsciente por toda uma vida, me chamando para um lugar que eu não sabia; meu avô Alencar em suas memórias e desmemórias do Alzeimher e um casamento real que houve entre idosos no abrigo que filmamos. Junte-se a isso a inspiração destas ruas da cidade baixa e de suas histórias de portuários e ferroviários…
Também o desafio de continuar a praticar um cinema de poesia, para contar histórias contundentes porém respeitando a inteligência e ludicidade dos personagens. Diomedes, Darlene e Dayane, assim como milhares de pessoas, vivem na rua, possuem a capacidade do encontro, da amizade e de viverem suas esperanças.

PLANETA TELA – Onde fica aquele lugar onde os personagens vão de trem? Ainda é Salvador ou já são outros municípios?
ARARIPE – Trata-se de Salvador. Até o subúrbio Itapagipe, Praia de Tubarão onde fica a casa do filho Zeca, é Salvador, área da Baía de Todos os Santos e desde os primórdios da colonização portuguesa já foi habitada, teve um fausto industrial e uma ferrovia próspera em direção a todo o recôncavo, que ditou um modo de vida em que os subúrbios eram estruturados. Hoje o trem reflete o abandono das ferrovias no Brasil, e milhares de pessoas vivem de mariscar na orla da região. Porém ainda é muito bucólico e é possível encontrar personagens como Navarro e Diolinda, os músicos amigos de Diomedes.

PLANETA TELA – Apesar do tema (meninos de rua, abandono), o filme me parece otimista, pra cima. Como você chegou neste desenvolvimento de roteiro?
ARARIPE – Tratar deste tema sem se esbarrar no mero denuncismo ou voyerismo de intelectual de esquerda foi difícil. Do primeiro argumento ao roteiro final eu tive ajuda de colaboradores competentes, mas me coube a decisão de que destino dar a essas pessoas, que naquelas 48 horas se encontram e tomam rumos diferentes. O que os especialistas chamam de Ethos, o que eu queria dizer para as pessoas com esse filme? Simples: que a arte e tudo que possa nascer dela podem aproximar e mudar as pessoas, ainda que essas pessoas sejam as que o cinema normalmente estereotipa como irremediáveis ou bandidos.

PLANETA TELA – Finalizando, quanto ele custou e qual a sua expectativa de público?
ARARIPE – Custou um milhão de reais e não tenho grandes expectativas. Sabemos que hoje o sucesso de um filme depende de volume de mídia. Não temos quase nenhuma e contamos apenas com a sensibilidade de alguns jornalistas que conseguem ver o filme sem preconceitos. Uma coisa tenho certeza, assim como meu “Mr. Abrakadabra!” este será um filme degustado aos poucos e durantes muitos anos, o boca a boca dos que estão se emocionando com o filme fará esse papel de difundi-lo na história.