Diretor Ricardo Elias comenta a estréia de “Os 12 Trabalhos”

Estréia hoje(9), em circuito nacional “Os 12 Trabalhos”, do diretor Ricardo Elias (“De Passagem”) . Em seu segundo longa metragem, o cineasta volta a abordar a juventude da periferia de São Paulo, contando a história de Heracles, jovem que, após sair da Febem, tenta refazer a sua vida trabalhando como motoboy. Naquele que é seu primeiro dia do novo emprego, ainda na fase de testes para ser efetivado, passará por 12 provações cruzando com os mais diferentes tipos de pessoas: funcionários públicos, policiais, advogados, outros motoboys, professores, traficantes, etc.
Trata-se de uma adaptação da história clássica do mito Hércules sob uma ótica contemporânea. Para Ricardo Elias, o filme traça um retrato realista de uma das principais questões sociais brasileiras contemporâneas: a da juventude sem perspectivas.
Confira abaixo, entrevista com o diretor.

Nesse seu segundo longa, o protagonista é um rapaz desfavorecido econômica e socialmente: ele não conheceu o pai, sua mãe é faxineira, ele mora na periferia. Em De Passagem, eram dois amigos, também da periferia de São Paulo, que se reencontravam por conta da morte de um terceiro (irmão de um deles). Por que voltar ao tema de adolescentes com poucas perspectivas?
O jovem da classe C e D é normalmente muito mal representado no que tange à ficções audiovisuais.
Eu prefiro mostrar um outro lado, um contraponto. Além de ser o jovem, com todas as suas contradições e dúvidas, dramaturgicamente muito rico.
As pessoas adoram dizer que odeiam motoboys. Eu queria humanizar essas figuras, mostrá-las para além do trânsito caótico de São Paulo, ao mesmo tempo em que queria propor um retrato da cidade.

Em algum aspecto a história de Heracles é comum a sua?
Não existem questões pessoais. Algumas cenas criadas talvez eu possa dizer que tenha vivido, mas não é uma historia autobiográfica.

Por que a relação com o mito de Heracles/Hércules? A busca pela redenção foi o que mais o atraiu nessa história?
Hércules é um mito muito conhecido e identificado com o heroísmo e com as grandes proezas. A idéia era transpor isso para o universo de um jovem que tem que mudar de vida. A sua tarefa de convencer os outros de que merece uma nova chance é hercúlea.

Os 12 Trabalhos tem muita cena rodada externamente, pela cidade. Esse também é um elemento presente no seu primeiro longa. Vê a cidade como um fator determinante no caminho que trilhamos, principalmente no que se refere a oportunidades e opções oferecidas?
São Paulo, como toda grande metrópole, traz diversas contradições. Interessa-me falar do meio em que vivo. Não pretendo explicá-lo; seria muita pretensão, mas talvez um retrato ajude a olhar de frente.
O que orientou o projeto foi muito mais fazer um painel sobre uma metrópole como São Paulo do que um filme sobre motoboys.
Esse olhar é orientado sobre o que a cidade desperta no seu habitante. Daí derivam questões que não pretendemos responder ao longo do filme, mas que conduzem o projeto: como as pessoas que aqui estão se relacionam com essa cidade? Elas querem ir embora, elas querem ficar? Elas têm medo? Como isso se estabelece cotidianamente?

Acredita que a repercussão que o filme terá será a mesma em São Paulo e outras cidades do País?
O filme é universal, já que parte de uma história universal e trata de problemas que pertencem a várias cidades do Brasil.

Por que decidiu que o seu “herói” fosse motoboy? Por que essa e não outra função?
Os motoboys são fascinantes e representativos. Personificam bem algumas características do que se tornou São Paulo. Há uma agressividade identificada com a figura deles, mas, ao mesmo tempo, são extremamente solidários entre si. Os motoboys são um reflexo do caos que São Paulo representa hoje, além de serem sintomáticos das relações trabalhistas estabelecidas atualmente.
Outro fato interessante é que um motoboy cruza com diversas figuras o dia inteiro. Isso cria uma possibilidade dramática interessante. Além disso, há o caráter “aventureiro” da profissão, de ter que fazer uma entrega o mais rápido possível.

Como foi feita a pesquisa sobre o universo dos motoboys?
Gravamos várias entrevistas em vídeo com alguns motoboys. A partir daí, selecionamos o que nos interessava. A idéia não é um retrato fiel definitivo, mas um retrato possível.

Como é trabalhar com atores iniciantes e experientes num mesmo projeto? No elenco, estão Lucinha Lins e Sidney Santiago, ator que nunca havia trabalhado em cinema antes. Essa relação é rica?
Eu acho que boa parte do trabalho de direção está na escolha dos atores. Dediquei-me dois meses selecionando os atores do filme. Dirigi todos os testes do elenco. Eu gosto de atores puros, que têm o frescor e consigam diluir um pouco o esquema tão segmentado de atuar num filme; ao mesmo tempo, experiência ajuda a agilizar o processo.
O Sidney foi uma escolha muito natural. Tínhamos outras opções para o seu papel. Ele apareceu na primeira leitura de roteiro que fizemos. Como eu e o produtor de casting, Fernando Cardoso, ficamos em dúvida de ter acertado na primeira, resolvemos fazer mais alguns testes até definitivamente escolher o Sidney.