ELOCUBRAÇÕES DESPOJADAS SOBRE O QUE FORJA OS PRÊMIOS PARA ATORES E ATRIZES.

Por Celso Sabadin.

Vejo uma média de 500 longas metragens por ano. Ou seja, acompanho, por baixo, o trabalho de, sei lá, uns 1.200 atores e atrizes principais a cada temporada, vindos de uma dúzia de diferentes países. Fora os coadjuvantes. Confesso: sou absolutamente incapaz de observar este riquíssimo universo de interpretações e escolher, sobre mais de mil talentos, um, dois, três ou cinco que eu possa considerar melhores que os outros. Cada trabalho é único, cada filme é único, cada interpretação é única. Isso sem citar a questão dos idiomas: como avaliar o trabalho de um ator ou atriz que interpreta num idioma que eu desconheço completamente? Como saber, se minha identificação cultural com aqueles sons é nula? Simplesmente não consigo determinar “o melhor” ou “a melhor” ator/atriz de todo um ano de trabalho. E, sinceramente, cá entre nós, duvido que alguém consiga.

A pergunta é: o que nos faz escolher “a” melhor interpretação sobre um universo de milhares? O que nivela todas estas premiações cinematográficas que nos acostumamos a ver no início de cada ano? Em primeiro lugar, acredito que seja a mesmice que se convencionou chamar de “senso comum”. Ou, em outras palavras, o famoso “todo mundo está falando”. Se todo mundo está falando, vou falar também, pois afinal “todo mundo” entende mais do que eu, e hoje não é saudável ir contra esta entidade perigosa chamada “todo mundo”.

Há também a questão das famosas figurinhas carimbadas, ou seja, aquelas mesmas pessoas que precisam necessariamente figurar nas listas de melhores do ano, independente do filme que elas façam. “Pega mal” não indicar fulano ou cicrano, e eu tenho certeza que você sabe de quem (ou de quens) eu estou falando, o que por si só já comprova minha teoria.

Não podemos nos esquecer também do fator “deficiência física e/ou doença”. Em algum lugar perdido na história do cinema se convencionou acreditar que, se um personagem sofre de algum problema físico ou mental, o ator deve estar sofrendo também, e por isso deve ser premiado. Num belíssimo documentário sobre sua obra, Marcello Mastroiani disse que seu sonho era interpretar um personagem cego, surdo, mudo e preso a uma cadeira de rodas, pois assim ele ganharia 4 Oscars de uma só vez e nem teria de decorar suas falas. Sabia tudo, Marcello.

O quesito “imitação” também é dos mais valiosos. Se determinado ator ou atriz interpreta uma personalidade pública que realmente tenha existido, e o departamento de maquiagem caprichou na reconstituição de seu rosto, pode escrever: é indicação a prêmio, com certeza. Qualquer dia as academias de cinema vão inventar uma categoria chamada “Melhor Reencarnação”.

Outra confusão típica de quem outorga prêmio de cinema é confundir “melhor ator” com “melhor personagem”. Repare como, principalmente entre os coadjuvantes, é comum premiar o personagem divertido, o amigão do protagonista, o gay bem humorado, a amiga que fala a coisa certa na hora certa, o soldado que sacrificou sua vida pelo companheiro, o velhinho que morre no final, como se tudo isso fosse mérito apenas do ator/atriz, e não de um batalhão de escritores, roteiristas e diretores que queimaram as pestanas para criar bons diálogos nas bocas de bons personagens.

Na minha humilde visão, o bom/boa ator/atriz é aquele que transmite as veracidades e emoções que nos colocam inexoravelmente dentro do filme. É aquele que nos faz esquecer que estamos assistindo a uma simples projeção virtual, e transforma a tela numa janela da nossa própria realidade. É aquele que se despe totalmente de seu ego de ator (que normalmente é gigantesco) e se transforma, diante dos nossos olhos, numa nova pessoa, a serviço do filme, e não de si mesmo em busca de um prêmio. Um gesto, um olhar, um sorriso, uma respiração de milésimos de segundo pode mudar tudo diante dos nossos olhos. E como não podia deixar de ser, tudo isso é extremamente subjetivo. Da mesma forma que um filme que é “bom” para mim não será necessariamente “bom” para outros espectadores, cada atuação atinge cada um de maneira única, individual e indivisível. É é nisto que reside a beleza da arte.

Atribuir prêmios a este ou aquele, no final do ano, é divertido, lúdico, faz a indústria girar e é ótimo para fazer bolões. Só não me peçam duas coisas: que eu escolha um ou outro entre milhares, e que eu leve estas premiações minimamente a sério.