EM DEBATE SOBRE CINEMA MARGINAL, NEVILLE D´ALMEIDA DIZ QUE O SISTEMA ATUAL “É A MORTE DO ARTISTA”

Por Celso Sabadin, especial de São Luís.

No mínimo, irônico. O bate papo ”Falando Sobre Cinema Marginal” começou um pouco atrasado porque o diretor de “A Frente Fria que a Chuva Traz” ficou retido na chuva. São as deliciosas idiossincrasias do cinema. Neville d´Almeida e Helena Ignez, dois ícones representativos de um tipo de cinema brasileiro que recusa a obviedade, conversaram com estudantes, jovens cineastas e cinéfilos em geral durante o 39º Festival Guarnicê de Cinema, na capital maranhense.

 

Neville, que recebe aqui no Guarnicê uma mostra retrospectiva de seu trabalho, lembrou que o termo Cinema Marginal foi cunhado pela direita, no período da ditadura 64, com a intenção de sabotar o tipo de produção alternativa que estava sendo desenvolvida por cineastas de esquerda naquele momento. “Eles queriam difundir a ideia que o nosso cinema, em sendo marginal, não precisaria ser financiado, não precisaria ser patrocinado, e não precisaria sequer ser exibido”, afirma. Helena Ignez destaca que “a história hoje em dia não mudou tanto, e graças a Deus fomos e continuamos sendo marginais. Somos felizes por sermos marginais, por não fazer parte desta política que estão jogando na nossa cara”, diz a atriz e cineasta.

 

Bem-humorado, Neville brinca com Helena Ignez ao dizer que “não somos marginais; somos bem aventurados”. E explica: “Não queremos seguir exemplos, caminhos, dogmas. O Rogério [Sganzerla, que foi marido de Helena] seguiu quem? Ninguém! Ele inventou todo o cinema dele, e isso nos fortalece. Não somos conformistas, queremos é fazer História”, diz.

Bastante prolixo, Neville dispara sua metralhadora giratória contra os mecanismos truncados das leis de incentivo à cultura, contra o conformismo do cinema de mercado, e até contra os cineastas do movimento Cinema Novo, “uma elite egocêntrica”, no seu dizer, onde se salvavam uns poucos nomes, “como Glauber Rocha e Rogério Sganzerla, pessoas diferenciadas, inteligentes, verdadeiras cachoeiras de ideias”, dispara.

Defende, por outro lado, um tipo de cinema mais afetivo, feito através de parecerias e trocas de ideias entre os cineastas, com mais paixão. Novamente brincando com Helena, diz que “a melhor coisa para um artista é poder gostar do que o colega faz. E eu estou louco para copiar `Ralé´[o mais recente trabalho de Helena] no meu próximo filme”, afirma rindo.

 

Sobre os mecanismos atuais de produção, Neville é direto e taxativo: “Desenvolver um projeto, inscrevê-lo no Ministério da Cultura, registrá-lo na Ancine, aguardar pela aprovação, obter autorização de captação, colocá-lo em editais, para não captar… isso é cinema? Isso é a morte do artista, é a perversão. Não pode ser assim.”, afirma. Para exemplificar a situação, Neville usa o seu próprio caso recente: “Quando me perguntaram se `A Frente Fria que a Chuva Traz´ era o filme que eu queria fazer, eu respondi que não. Este era o filme que eu queria ter feito há sete anos, quando tive a ideia. Uma ideia que só consegui finalizar agora”.

O diretor de “A Dama do Lotação”, porém, permanece otimista: “Felizmente hoje, com as novas tecnologias digitais bem mais acessíveis, é possível fazer cinema sem leis e sem burocracia. Você pega a câmera, vai lá, faz e pronto”.

Pergunto como exibir. E a resposta vem rápida: “Eu sou um fazedor, não um mostrador. O importante é fazer. Não dá pra ficar reclamando. Não podemos transformar nossos projetos em cruzes a serem carregadas desesperadamente pelo deserto durante anos”.

 

Celso Sabadin viajou a São Luís a convite da organização do evento.