EM REFICE, O CINEMA BRASILEIRO ENCONTRA O SEU PÚBLICO.

Com a multiplicação (não gosto da palavra “proliferação”, que parece de pragas e doenças) dos festivais de cinema pelo Brasil, cada evento aos poucos vai encontrando o seu perfil próprio. O de Brasília é mais político, o de Gramado é mais badalação, o de São Luís é o mais simpático, e assim por diante. O de Pernambuco, é, de longe, o que mais promove o encontro da plateia com o cinema brasileiro. Todas as noites, o enorme centro de convenções que abriga as projeções de curtas e longas fica lotado de jovens que pagam entre R$ 4 e R$ 8 reais cada sessão para acompanhar, de perto, a recente produção brasileira. É algo em torno de 2,5 mil pessoas por noite. Ou seja, mais ou menos a metade de toda a carreira comercial nacional do excelente filme brasileiro “Os Famosos e os Duendes da Morte”…

Percebe-se claramente o brilho nos olhos dos realizadores que sobem ao palco para apresentar seus filmes, e se deparam com aquela multidão ávida por cinema à sua frente.

Mais do que comparecer, a plateia de Pernambuco participa ativamente de cada cena projetada. Comenta, fala alto, faz “aaaaahhhh”, faz “oooohhhhh”, torce pelo mocinho, vibra e dá risada. Como dá risada este povo pernambucano! De qualquer coisa, de qualquer cena. Até das trágicas. O pessoal não pode ver cena de beijo que faz “fiu fiu”. Mulher pelada, então… É um público que gargalha alto, sem medo de ser feliz. E aplaude qualquer coisa. Tudo bem que Nelson Rodrigues já falava que brasileiro aplaude até minuto de silêncio em campo de futebol, mas o de Recife supera todas as expectativas.

Quando o filme exibido é produção pernambucana, então, sai de baixo. O público deixa de ser platéia e passa a ser torcida, transformando o Centro de Convenções numa verdadeira arquibancada da ilha do Retiro. Acredito que se o projecionista Zé Luís tivesse problema no equipamento, e a tela ficasse preta por 10 minutos, no final todo mundo aplaudiria “a ousadia deste mais recente projeto experimental pernambucano”. Em termos de vestir com fé e ardor a camisa do seu estado, o pernambucano só perde para o gaúcho. Ou talvez não, se considerarmos que a República Farroupilha, na verdade, é um país a parte.

Distribuidores e Exibidores de cinema de todo o país deveriam freqüentar o Festival CINE PE para comprovar – ao vivo, a cores e com som estereofônico – que o povo brasileiro gosta, sim, de cinema brasileiro. E muito! É muito fácil para estes senhores, encaixotados em shopping centers e engravatados nos confortos de seus ares condicionados, sair por aí repetindo e trepetindo as velhas regras de que o povo brasileiro só gosta de ver blockbuster americano, de que o brasileiro não gosta de se ver na tela de cinema, que dois a zero é resultado perigoso, que manga com leite dá congestão e outros dogmas que os americanos nos impuseram.

Claro que gosta! O CINE PE prova mais de 2 mil vezes por noite que sim! O ingresso não é gratuito, o Centro de Convenções não é perto, a programação não passa Homem de Ferro, e a sala mais do que lota. Lotou até na última quarta-feira, quando as projeções concorriam diretamente com Flamengo e Corinthians na TV, e com dois jogos simultâneos realizados aqui mesmo em Recife, pelas semifinais do campeonato Pernambucano (ah, o Sport foi para as finais com o Náutico).

Talvez o público brasileiro não goste de subir até o último andar de um shopping para ser esfolado pelo preço do ingresso, do estacionamento e da pipoca para ver um filme. Aí eu até concordo. Mas neste caso tanto faz a nacionalidade do filme a ser exibido. É outra história.

Basta dar ao brasileiro as mínimas condições de projeção, som, conforto e – claro – preço justo, que milhões de pessoas se demonstrarão mais do que dispostas a conferir o que há de melhor sendo feito no nosso cinema. Dos 192 milhões de pessoas que moram neste país, apenas 10 milhões tem o hábito de frequentar salas de cinema. Mesmo porque só existem estas salas em 8% de nossos municípios, segundo o IBGE.

Será que não existe nenhum empresário de boa visão que enxergue a verdadeira catarse que já acontece há 14 anos aqui no CINE PE, e que se habilite a criar salas de exibição para atrair os restantes 182 milhões de brasileiros que nunca vão aos cinemas? Será que todos nós seremos condenados a ver filmes apenas em shopping centers, pagando quantias exorbitantes e comendo pipocas extorsivas?

Prefiro acreditar que não. Prefiro acreditar nas risadas, aplausos, ooooohs e aaaaaahs da platéia deliciosamente histérica do CINE PE Festival do Audiovisual.