“FAMÍLIA VENDE TUDO” É A NOVA CLASSE C NO CINEMA. OU AINDA NÃO?
Muito se fala sobre a ascensão da Classe C na pirâmide de consumo brasileira. É cada vez mais gente viajando de avião, comprando automóveis e fazendo crediários. Mas a pergunta que não quer calar (nova essa!) é: temos também cada vez mais gente indo aos cinemas? Os números dizem que não. Infelizmente. Mesmo porque é muito caro ir ao cinema no Brasil, por mais que o poder aquisitivo de uma parcela da população tenha aumentado. E é histórica a tendência do povo brasileiro em tentar preencher seus vazios através do consumo de bens duráveis, e não via consumo de cultura, tabu ainda dos mais inexplorados por aqui.
De qualquer maneira, mesmo com a (ainda) ausência das classes menos favorecidas nas salas dos nossos extorsivamente caros cinemas, verifica-se que existem, sim, filmes brasileiros direcionados a um consumo mais popular. Um deles – “Família Vende Tudo” – foi exibido ontem (01/05) aqui no Festival Cine PE, abrindo a mostra competitiva de longas.
Com direção de Alain Fresnot , que já havia incursionado com sucesso pelo gênero comédia em “Ed Mort”, o filme mostra uma família de classe baixa que tenta colocar em prática um plano desesperado para sair sufoco. A ideia é fazer com que a bela Lindinha (Marisol Ribeiro) engravide do cantor brega Ivan Carlos (Caco Ciocler), obtendo assim uma espécie de caderneta de poupança vitalícia. Mas obviamente o plano dá errado, Lindinha se apaixona de verdade pelo seu “alvo”, e o caso ainda desencadeia uma crise entre Ivan Carlos e sua esposa Jennifer (Luana Piovani). Tudo com muito… qual seria a palavra? Escracho? Baixaria? Sutileza zero? A questão levanta uma discussão interessante: não seria exatamente esta a intenção de um filme sobre as classes populares direcionado às classes populares? Exigir sutileza deste tipo de comédia não seria presunção?
O público aqui no Cine PE riu bastante. O que não chega a ser um termômetro porque não sei o que acontece por aqui, que o pessoal ri de qualquer coisa. É um baita povo feliz! Basta um simples palavrão que a turma já sai gargalhando. De qualquer maneira Fresnot abre várias frentes em seu filme, enfocando a música brega, as sacoleiras que buscam muamba no Paraguai, as igrejas evangélicas, o culto à celebridade, e a eterna luta pela sobrevivência diária dos menos favorecidos. E para isso conta com a ajuda de um elenco expressivo, que inclui Vera Holtz, Lima Duarte (vivendo o papel de Ariclenes, seu nome na vida real) e os já citados Caco Ciocler e Luana Piovani. Destaca-se também Marisol Ribeiro, eu seu primeiro papel no cinema, já que “Família Vende Tudo” foi rodado antes do policial “Inversão”, também com ela, que estreia agora no próximo dia 27.
Momentos de grosseria explícita ofendem gostos mais apurados, ao mesmo tempo que fazem a alegria de uma plateia euforicamente humorada. Um ótimo acabamento técnico se une a uma certa – e talvez proposital – tosqueira narrativa. O filme parece ter todo o potencial para atingir a tão festejada Classe C ascendente. Mas será que esta nova fatia de consumidores terá salas de cinema ao seu alcance, quando o filme for lançado comercialmente? Ou correrão para os piratas, ou ainda só verão o filme quando ele estrear na Globo?
Certeza, por enquanto, só uma: o mercado brasileiro de cinema precisa se repensar urgentemente para abrir suas catracas a este novo público que vem chegando. Se Lindinha e Ivan Carlos não correrem para conquistar o nosso público, aparece um Rob Schneider qualquer e conquista primeiro. Aí será tarde.

