FILMES DA ÍNDIA E DA VENEZUELA ENCANTAM O PÚBLICO NO 10o. AMAZONAS FILM FESTIVAL.

Foi uma noite de lavar a alma aqui no 10º Amazonas Film Festival. Os dois longas internacionais da Mostra Competitiva – “The Lunchbox” e “Pelo Malo” – vieram repletos de qualidades, mostrando que o júri não terá moleza pela frente para escolher os melhores deste ano.

Totalmente rodado na caótica cidade indiana de Mumbai (antigamente chamava Bombaim, mas tudo bem), “The Lunchbox” é um drama romântico que mostra que “o trem errado muitas vezes pode levar ao lugar certo”, para usar a analogia que o próprio roteiro lança mão. Fernandes (Irrfan Khan, de “A História de Pi”) é um funcionário público prestes a se aposentar. Metódico, um dia ele tem sua infinita rotina quebrada por um prosaico problema de logística: a marmita do seu almoço, que lhe é entregue religiosamente a uma hora da tarde por um restaurante local, vem trocada, fazendo com que ele experimente novos sabores e novos temperos em sua vida. Na outra ponta deste engano está a bela Ila (Nimrat Kaur), uma mulher infeliz no casamento.

A partir desta simples troca de marmitas, tem início a história destes dois personagens que sofrem de extrema solidão, mesmo vivendo numa das cidades mais populosas do planeta. O tempero – ícone dos mais representativos na cultura indiana – entra na trama como analogia da própria alegria de viver. Uma alegria contestada pelo protagonista, que, ao saber da história de um homem que se encontra há 15 anos em coma, acredita ser melhor para ele continuar em sua letargia, ao invés de viver num lugar onde não é mais possível comprar sequer um lugar deitado no cemitério (segundo o filme, a população é tamanha que atualmente os mortos são enterrados em pé).
Ironias, humores, decepções e esperanças compõem o belo painel de sentimentos desta coprodução multinacional (Índia, França, Alemanha e Estados Unidos) que reúne excelentes interpretações e que tem tudo para agradar o grande público.

A distribuição do filme no Brasil já está garantida pela Imovision. Será que aqui ele vai se chamar “A Marmita”?

Da Ásia para a América do Sul: ”Pelo Malo”, que pode ser traduzido como “Cabelo Ruim”, vem da Venezuela para contar a história de Júnior (o estreante Samuel Lange Zambrano, perfeito no papel), um garoto cujo sonho é alisar seu cabelo e sair bonito na fotografia da escola, posando de cantor. Faltam poucos dias para a foto e Marta, a mãe de Júnior (Samantha Castillo, também estreante e também ótima) além de não ter o dinheiro para o fotógrafo, ainda reprova totalmente as obsessões estético-capilares do garoto. Enquanto isso, o circo de horrores da mídia local não se cansa de explorar as bizarrices em torno de uma parte da população que aguarda ansiosa por um milagre que cure o câncer do então presidente Hugo Chávez.

O conflito mãe/filho embasa o preconceito de Marta, para quem cantar e cuidar dos cabelos são sinalizadores de homossexualidade. A felicidade, aqui, gera uma culpa tão insuportável para a protagonista opta por um desfecho que, se não chega à tragédia, escancara um
dos diálogos finais mais cruéis já mostrados na tela.

Como moldura de toda esta disfunção familiar, a roteirista e diretora Mariana Rondón (vencedora do Cine Ceará 2008 por “Postales de Leningrado”) situa a ação na violenta periferia de Caracas, onde nem o som dos tiros que cruzam os gigantescos condomínios decadentes são suficientes para tirar seus habitantes do torpor.
Coproduzido por Venezuela, Peru, Argentina e Alemanha, “Pelo Malo” foi o vencedor da Concha de Ouro no Festival de San Sabeastián, e ainda não tem distribuição firmada no Brasil.