GRAMADO 2014 DÁ ESPAÇO A CONSTRANGEDORA PROPAGANDA SIONISTA.

Que pena! Tudo caminhava bem no 42o. Festival de Cinema de Gramado. Alguns filmes muito bons, outros nem tanto (faz parte), belas homenagens, bons debates, tudo bem. Até a exibição do constrangedor “Esclavo de Dios”, coprodução entre Venezuela e Argentina. Num Festival que historicamente sempre buscou valorizar a linguagem cinematográfica latina e brasileira, e onde nos debates se discutem à exaustão questões relacionadas ao domínio norte-americano sobre o nosso mercado, exibir “Esclavo de Dios” é, no mínimo, constrangedor.

Em primeiro lugar porque trata-se de uma obra que procura deslavadamente imitar a cansativa estética norte-americana dos filmes de espionagem produzidos nos EUA. Sem, porém, demonstrar a mesma competência deles nos quesitos técnicos, o filme acaba se tornando um “sub-Munique”. Em segundo lugar porque a sua “surpresinha” final de roteiro chega a ser vergonhosa, equiparando-o ao que de pior já foi feito nas piores telenovelas espalhadas pela América Latina. Não vou dizer do que se trata (sempre haverá alguém disposto a ver o filme), mas o velho truque da vítima reconhecer seu algoz, 35 anos depois, por causa do relógio que ele usa é, no mínimo, patético.

Mas o pior está por vir: “Esclavo d Dios” se mostra como uma desavergonhada propaganda sionista, onde todos os personagens judeus são heroicos, bondosos e justiceiros, e os árabes são terroristas fanáticos e assassinos sem coração. Um maniqueísmo impensável nos dias de hoje, e totalmente inadequado para ser exibido, principalmente, nestes tempos de dolorosos conflitos na Faixa de Gaza. Uma pisada de bola descomunal da curadoria que marca, pelo menos até o momento, o ponto mais lamentável desta 42a. edição do festival de Gramado.

A trama, ah sim, a trama: nos anos 70, um menino de origem árabe vê sua família ser assassinada por um homem de capuz. E um menino judeu vê o pai morrer num atentado provocado por um homem bomba. Há um corte de tempo e vemos que, enquanto o judeu se tornou um importante membro do Mosab, o serviço secreto de Israel, o pequeno árabe cresceu sendo treinado para se tornar um homem-bomba. O que se vê a seguir é constrangedor. Torna-se compreensível o fato do diretor, cujo nome no filme está creditado como Joel Novoa Schneider, assinar no Imdb e no catálogo do Festival apenas como Joel Novoa.

Assisti “Esclavo de Dios” em sua segunda sessão, na reprise, e presenciei algo que jamais havia visto em meus 25 anos de cobertura aqui deste Festival: nenhum, absolutamente nenhum aplauso ao final da sessão.

Gramado não merecia isso.

Celso Sabadin viajou a Gramado a convite da organização do evento.