GRAMADO 2014: “EL LUGAR DEL HIJO” RETRATA UM URUGUAI DESOLADO.

Há algo de melancólico nos filmes uruguaios. Pelo menos nos filmes uruguaios que chegam até nós, como “Whisky”, “Gigante” e “25 Watts”, que foram os primeiros que me vieram à cabeça. É como se o Uruguai fosse uma espécie de, digamos, um Portugal da América do Sul, com uma forte tradição de saudades, lamentos, melancolia e carros antigos espalhados pelas ruas. Pode até ser uma impressão errada minha, mesmo porque faz muito tempo que não visito o país. Porém, esta sensação me foi fortemente ratificada na noite de ontem, durante o 42º Festival de Cinema de Gramado, com a exibição de “El Lugar del Hijo”.
Na verdade, trata-se de uma coprodução com a Argentina, mas tudo se passa mesmo no Uruguai. A primeira cena é ….. uma leve panorâmica sobre um grande grupo de estudantes em greve onde todos falam ao mesmo tempo e ninguém se entende, o que deve ter enlouquecido o pessoal que faz as legendas eletrônicas em português aqui no Festival. Há um caos sonoro que se sobrepõe a uma suposta ordem visual. Os estudantes ocupam uma universidade de Montevidéu e não têm ideia de como proceder para prosseguir com o protesto. Uma voz, porém, interrompe e silencia o falatório indiscriminado, informando que o pai de um colega havia morrido. Surge a figura de Ariel (o estreante Felipe Dieste), o filho do morto, que será o fio condutor de toda a história.

Num primeiro momento, percebe-se que Ariel é portador de algum tipo de deficiência. Sua fala quase robotizada e sua aparente indiferença perante a morte do pai sinalizam que o protagonista não tem a exata dimensão do que exatamente acontece à sua volta. O rapaz é então enviado para a casa de seu pai, no interior, onde ficará sabendo que está atolado em dívidas. Sua reação é ignorar o problema e se engajar na ocupação do braço interiorano da mesma universidade onde estuda, na capital.

A lenta melancolia à qual me refiro no início do texto perpassa “El Lugar de Hijo” do início ao fim. Neste seu segundo filme, o roteirista e diretor Manuel Nieto é hábil ao transmitir, sem nenhum tipo de panfletarismo, a ideia de um Uruguai abatido, onde nada parece funcionar. Através do ponto de vista de Ariel, vemos, primeiro, um movimento estudantil totalmente acéfalo, sem rumos, ou objetivos, atolado em festas vazias, bebida e maconha (seria uma crítica ao presidente que a legalizou?). Passa-se depois para um retrato alquebrado dos movimentos sindicais, onde um grupo em greve de fome já sabe, de antemão, que está sendo traído pelo seu líder. Nesta fase do filme aparece na TV um tragicômico debate onde um industrial e um operário tentam reproduzir a estrutura social uruguaia com cubos de papelão… que obviamente desabam. A cena urbana é retratada através de uma casa decadente situada numa rua de prostitutas, e quando a ação do filme se transfere para a zona rural, as lentes de Nieto igualmente buscam o patético, a destruição e, literalmente, as “vacas magras”.
Em praticamente duas horas de projeção, Ariel, como uma espécie de Dante dos pampas, percorre o inferno das classes estudantil, operária e rural, num clima de total desolação e abandono. Sua passividade diante dos fatos é tamanha que, ao contratar uma prostituta, uma delas lhe pergunta: ”Qual você quer?”. E a resposta é simplesmente “qualquer uma”.
Coerentemente, “El Lugar del Hijo” tem um ritmo lento, uma direção densa e uma fotografia esmaecida, que lhe conferem um clima de introspecção que leva à discussão sobre os caminhos deste jovem uruguaio que não segue os próprios passos (no filme ele é quase sempre conduzido pelas ações de outros, quase nunca pelas sua própria vontade) percorrendo sem rumo um país desolado.

Que Uruguai é este que Ariel herdou?

“El Lugar del Hijo” ganhou o Prêmio da Crítica na Mostra de São Paulo e melhor fotografia no Festival de Cuba, onde também ficou em segundo lugar no prêmio principal de melhor filme.