GRAMADO VIROU FESTIVAL “SÉRIE B” PARA O CINEMA BRASILEIRO.

Muito se pergunta: o que está acontecendo com o Festival de Gramado? A maioria dos filmes latinos está sendo exibida em DVD (DVD mesmo, destes iguais aos que a gente tem em casa), os filmes brasileiros pouco ou nada empolgam, e a seleção de curtas está simplesmente desastrosa. Olhando para trás, percebe-se que esta decadência de Gramado não é recente, e hoje, nesta 39ª. edição, o que vemos é o coroamento de um evento que cada vez mais se preocupa com o lado de fora da sala de exibição, com as aparências, e cada vez menos cuida do que será visto na tela. Quanto maior o tapete vermelho, piores os filmes.

Há motivos para isso. Nos últimos, digamos, dez anos, o cinema brasileiro se transformou por completo, enquanto Gramado estacionou na sua empáfia turística e badalativa. Enquanto isso, a produção nacional se multiplicou qualitativa e quantitativamente, e outros festivais vieram com propostas mais sérias. Tiradentes, por exemplo, buscou e encontrou o caminho do cinema independente e do debate de idéias. Paulínia transformou-se num poderoso pólo de produção e criou um festival forte, oferecendo inclusive polpudos prêmios em dinheiro. Brasília, a partir deste ano, também busca se reinventar, e parte igualmente para a premiação monetária. Enquanto isso, Gramado continua mais preocupado com as cervejas e os chocolates que seus patrocinadores distribuem no saguão da sala de exibição. É provavelmente o único Festival que tem muito mais público do lado de fora da sala que do lado de dentro. Belas promotoras sorridentes do lado de fora e muito descaso quanto aos filmes, do lado de dentro, fazem de Gramado, cada vez mais, um festival jeca.

Na noite de ontem (09/08), duas piadas corriam soltas pela platéia: que o evento iria mudar de nome para “39º. Festival de DVD de Gramado”, e se a organização já havia colocado à venda a caixa de DVDs com os filmes latinos desta edição. Piadas a parte, um festival deste porte exibir filmes em DVD é totalmente inaceitável.

Hoje, muitos cineastas brasileiros preferem arriscar um pouco mais alto, e estrear seus filmes em festivais internacionais. Outros, é claro, buscam os prêmios em dinheiros oferecidos por Paulínia e Brasília. Outros preferem eventos mais sérios. O que sobra para Gramado? Pouco. Ganhar o Festival de Gramado não tem mais a força e o peso de décadas passadas, e isto por culpa do próprio evento. Dá para levar a sério um Festival, dito de cinema, que homenageia Xuxa Meneghel com um Kikito especial? Quantas Fernandas Montenegro terão de ser homenageadas para que se apague esta gafe histórica? Dá para levar a sério um Festival que exibe em DVD doméstico os seus filmes competitivos internacionais? Dá para levar a sério um Festival que sequer cuida do conforto dos espectadores, mantendo as mesmas insuportáveis poltronas por décadas? Dá para levar Gramado a sério? A ausência total de grandes nomes do cinema brasileiro em suas mostras competitivas já dá a resposta.

Usando a terminologia esportiva, Gramado hoje se constitui na ”Série B” do Cinema Brasileiro. É sem dúvida um festival que caiu para a segunda divisão, e terá de brigar muito para voltar à Série A. Quem sabe no ano que vem, ao comemorar sua 40ª edição, Gramado consiga se libertar de sua administração que pouco ou nada conhece de cinema e, a partir daí, tentar voltar aos velhos tempos da “Série A”.

Torcemos por isso. O cinema brasileiro merece um Festival de Gramado digno e forte, como foi em décadas passadas.

Confira abaixo a lista completa dos vencedores deste ano:

Longa-metragem Nacional
Melhor filme em longa-metragem brasileiro: Uma Longa Viagem, de Lucia Murat
Melhor montagem: Leonardo Sette, por As Hiper Mulheres.
Melhor fotografia: Roberto Henkin, por O Carteiro.
Melhor roteiro: Gustavo Pizzi e Karine Teles, por Riscado.
Melhor atriz: Karine Teles por Riscado.
Melhor ator: Caio Blat, por Uma Longa Viagem.
Melhor diretor: Gustavo Pizzi, por Riscado.
Especial do júri: As Hiper Mulheres, de Leonardo Sette, Carlos Fausto e Takumã Kuikuro.

Longa-metragem Estrangeiro
Melhor fotografia: Serguei Saldivar Tanaka, por La lección de Pintura.
Melhor roteiro: Sebastián Hiriart, por A Tiro de Piedra.
Melhor atriz: Margarida Rosa de Francisco, por García.
Melhor ator: Gabino Rodríguez, por A Tiro de Piedra.
Melhor diretor: Gustavo Taretto, por Medianeiras, e Sebastián Hiriart, por A Tiro de Piedra.
Especial do júri: Las Malas Intenciones, de Rosario Garcia-Montero.
Melhor filme longa-metragem estrangeiro: Medianeiras, de Gustavo Taretto.

Curta 35mm e Digital
Melhor filme: Carreto, de Claudio Marques e Marilia Hughes e Haruo Ohara, de Rodrigo Grota
Melhor montagem: Mair Tavares e Tina Saphira, por Um Outro Ensaio.
Melhor fotografia: Jacques Dequeker, por Polaroid Circus.
Melhor roteiro: Rodrigo John, por Céu, Inferno e Outras Partes do Corpo.
Melhor atriz: Dira Paes em Ribeirinhos do Asfalto.
Melhor ator: José Wilker em A Melhor Idade.
Especial do júri: Rivelino, de Marcos Fábio Katudjian.
Melhor diretor: Natara Ney por Um Outro Ensaio.
Melhor filme curta-metragem: Céu, Inferno e Outras Partes do Corpo, de Rodrigo John.