LIVRO INVESTIGA A SOMBRA NO CINEMA NOIR.

 “Cinema Noir. A sombra como experiência estética e narrativa” chega às livrarias. 

Depois de abordar as significações imaginárias da luz e da sombra no cinema expressionista alemão, o professor e cineasta Bertrand Lira investiga o cinema noir, analisando como o tratamento imagético desses filmes realizados entre os anos 40 e 50 nos Estados Unidos, trabalhou a relação sombra e luz em suas imagens para gerar significações sedimentadas no imaginário social.  A concepção visual do cinema expressionista alemão é marcante no cinema noir americano.

Realizados da segunda metade da década de 10 até os primeiros anos dos anos 30, a sofisticação dos filmes expressionistas no trato com a luz e na composição de uma atmosfera visual, com forte carga simbólica, teve enorme impacto noutras cinematografias e tem influenciado, ainda hoje, diretores em todo o mundo. Marcadamente esta influência veio a se efetuar no cinema noir americano. Uma das explicações para o fenômeno é a presença, em Hollywood, de diretores, técnicos, roteiristas e demais profissionais de cinema que deixaram a Alemanha _ no início, em busca de oportunidades numa indústria em franca expansão e, nos anos seguintes, fugindo do nazismo cujo domínio se espraiava pela Europa.

Esses profissionais vão emprestar o estilo visual do cinema expressionista aos filmes noirs que começam a ser realizados nos EUA e cujo apogeu se dá nos anos 40 e meados dos anos 50, quando entra em declínio. Dois renomados diretores em Hollywood, Alfred Hitchcock e Orson Welles, foram fortemente influenciados pela fotografia contrastada e pelo uso dramático do claro-escuro dos expressionistas.

Essa transposição estilística para o noir se dá nos filmes reconhecidamente do gênero e caracterizados, sobretudo, pelos enredos sombrios, em consonância com a iluminação expressionista. Bertrand Lira analisa cinco filmes noirs: Relíquia macabra (O falcão maltês), de John Huston (1941), Envolto nas sombras (1946), de Henry Hathway, Almas perversas (1945) e Maldição (1950), de Fritz Lang, e A marca da maldade (1958), de Orson Welles.

O autor empreendeu uma breve incursão no filme Cidadão Kane (1941), de Orson Welles, que, embora não conste das listas de filmes noirs, seu estilo visual absorveu muito da fotografia expressionista, apresentando pelo menos quatro momentos de magistral uso de sombra e luz que vai marcar outros filmes de Welles, entre eles, A marca da maldade, tido como noir por conjugar conteúdo (tema, personagens, enredo) e forma (convenções narrativas, estilo visual) peculiares ao gênero. Coincidentemente, Cidadão Kane foi realizado no mesmo ano de Relíquia Macabra, que inaugura o filme noir. Por outro lado, A marca da maldade é, para alguns autores, o marco final do cinema noir clássico.

Lira foca sua análise no estilo visual desses cinco filmes com sua fotografia (em preto-e-branco) contrastada e com elaborado uso dramático do claro-escuro – associado a temas mórbidos e macabros – com toda a carga simbólica que o embate luz-sombra luz representa.  Para Rose Panet, que assina o prefácio do livro, “o autor explica os artifícios do cinema noir, que utiliza os contrastes de claro-escuro dos expressionistas, somados a silhuetas através de prismas como portas e janelas de vidro ou outros, como escadas, águas e espelhos que servem de leituras dramáticas para metáforas da condição moral dos personagens. O contraste entre luz e sombra, preto e branco cuidadosamente arquitetados para enfatizar o tom de terror, mistério, suspense, niilismo, morte e dor, e as significações imaginárias do Bem e do Mal, que destes contrastes decorrem na intenção de acentuar o impacto emocional no espectador do cinema noir.”

Dois elementos particulares na constituição dos filmes em questão e que os definem como noirs são de interesse na visada do autor : o estilo visual e a temática, elementos que têm forte aproximação com o expressionismo alemão. Ao refletir sobre os temas caros a esse cinema, estudiosos verificaram um compartilhamento de visão e sensibilidade expresso na maioria dos títulos da safra noire. Esses títulos sugestivos, invocam as trevas, um universo urbano de armadilhas neuróticas que levam ao delírio. Fazem parte da iconografia noire ruas, cidades, escuridão, morte, assassinato, janelas,  espelhos etc., indicando as similaridades entre os filmes

Apesar do tema denso e complexo, escreveu Panet, “é muito fácil ler Bertrand Lira. Um traço marcante no seu estilo está na escolha precisa de suas palavras, na clareza de suas ideias e na riqueza de detalhes com a qual descreve os filmes visitados. Impossível não querer ver ou rever os filmes analisados por ele.” A capa do livro tem concepção de Rildo Coelho da Editora da UFPB.

 

Sobre o autor:

 

Bertrand Lira é professor Associado do Departamento de Comunicação em Mídias Digitais e do Programa de Pós Graduação em Comunicação (PPGC) da UFPB e coordenador do Grupo de pesquisa em Cinema e Audiovisual (Gecine). Realizador, dirigiu diversos documentários de curta, média e longa-metragem em super-8, 16mm e vídeo (“Bom dia Maria de Nazaré”, “O senhor do engenho”, “Crias da Piollin”, “Homens”, “O rebeliado” e “O diário de Márcia”, entre outros), premiados em festivais no Brasil e no exterior, entre eles o JVC Grand Prize do 26º Tokyo Vídeo Festival  e o Excellence Award do JVC Tokyo Vídeo festival de 2004. Realizou estágios em documentário no Atelier de Réalisation Cinématographique (VARAN) em Paris (1982 e 1986).

Autor dos livros “Fotografia na Paraíba: Um inventário através do retrato (1850-1950)” (1997), “Luz e Sombra: significações imaginárias na fotografia do cinema expressionista alemão (2013)” e “Cinema Noir: a sombra como experiência estética e narrativa” (2015).