MEDOS, MULHERES E “FORA TEMER” MARCAM A SEGUNDA NOITE DO 39º FESTIVAL GUARNICÊ.

Por Celso Sabadin, especial de São Luís.

Quem sai de São Paulo deixando para trás uma manhã de 12 graus centígrados mal pode acreditar que, sem sair do país, é possível encontrar um lugar com quase o triplo da temperatura paulistana. A sensação (não só a térmica, como a psicológica) de chegar em São Luís, no Maranhão, é que viajou-se muito mais e muito além que aquelas simples três horas de avião. E mesmo para este amante do frio que vos escreve é sempre um prazer desembarcar na capital maranhense, onde já estive alguns pares de vezes para cobrir o Guarnicê, um dos mais tradicionais e longevos festivais de cinema do Brasil, que chega agora à sua 39ª edição.

O Guarnicê Festival de Cinema começou ainda na época do Super-8 (amigos com menos de 30 anos, favor dar um Google), cresceu, passou por crises (quem não?), estabilizou-se, e graças à Universidade Federal do Maranhão é à figura ímpar e incansável de Euclides Moreira, idealizador do evento, consolidou-se. Este ano, pela primeira vez a mostra dos filmes tem lugar em vários pontos culturais do Centro Histórico de São Luís. Até o próximo dia 11, a área será tomada por diversas atividades que ocorrerão no Cine Praia Grande, na Casa do Maranhão, no IEMA Praia Grande (Instituto de Educação, Ciência e Tecnologia do Maranhão), nos teatros da Cidade, João do Vale e no Teatro Arthur Azevedo, lugares que darão espaço a projeções de curtas e longas, sessões de bate papo e oficinas formativas. Tudo grátis.

O Guarnicê é o segundo maior festival de cinema realizado por uma universidade e o quarto mais antigo do Brasil.

Ontem (08/06), segunda noite da Mostra Competitiva, foram exibidos quatro curtas e um longa metragem. O primeiro curta foi o gaúcho “Objetos”, que Germano de Oliveira dirigiu a partir de um conto de Lígia Fagundes Telles. Em tom intimista, o filme mostra as reflexões de um casal de meia idade (Marcos Contreras e Áurea Baptista) sobre alguns objetos de decoração adquiridos numa viagem longínqua, feita num tempo que lhes parece ainda mais remoto. Um peso de papel que não segura nenhum papel, um cinzeiro sem cinzas, uma adaga fora do peito… A metáfora do desgaste do relacionamento se entremeia às lembranças do casal, criando um clima de amarguras e saudades.

Criação de clima, por sinal, foi o que não faltou a “Tarântula”,  segundo curta exibido ontem. Com roteiro de Marja Clafange e direção de Aly Muritiba, a produção paranaense mostra uma mãe e suas duas filhas que moram num grande casarão isolado repleto de mistérios e memórias. A chegada de um caminhoneiro, namorado da mãe, acende na irmã mais velha seus ímpetos mais cruéis e egoístas, para o azar da menina mais nova. Premiado em vários festivais nacionais e internacionais, “Tarântula” apresenta fotografia e direção de arte de encher os olhos, e é um trabalho de grande eficiência na elaboração de uma atmosfera de terror e mistério. Foi o mais aplaudido entre os curtas exibidos nesta quarta-feira.

Na sequência, houve a projeção de outro curta envolvendo mortes, mistérios e duas irmãs: o carioca “Encontro dos Rios”, roteirizado e dirigido por Renata Spitz. Ao apresentar seu filme, a diretora protestou contra o atual golpe de estado que vive o país, e ressaltou a importância de se coibir a todo custo os atos de violência que têm sido cometidos contra as mulheres, destacando que, ainda que “Encontro dos Rios” não aborde diretamente este tema, ele trata do medo, um sentimento recorrente no Brasil de hoje. O enredo aborda uma garota amedrontada pela visão de um corpo no riacho perto de sua casa.

O último curta da noite foi a animação maranhense “Joca e a Estrela”, de Beto Nicácio. Com traços estilo naif, o desenho é uma adaptação de um conto infantil de Lenita de Sá, sobre uma estrela com medo de brilhar e ofuscar os demais corpos celestes sem luz própria.

Fechando esta segunda noite da Mostra Competitiva, foi exibido o longa paranaense “Para Minha Amada Morta”, de Aly Muritiba, o mesmo do curta “Tarântula”. Com roteiro do próprio diretor, o filme – já exibido em várias capitais brasileiras, mas inédito no Maranhão – mostra um homem amargurado que descobre, após a morte da esposa, ter sido traído por ela. Em sua desesperada busca por respostas, ele entra numa jornada de sofrimentos que irá misturar sentimentos de ódio, saudades e vingança.

“Para Minha Amada Morta” foi apresentado no palco do festival pela sua dupla de atores Mayana Neiva e Fernando Alves Pinto. Fazendo coro com a curta metragista Renata Spitz, Mayana ressaltou o fato de todas as oficinas profissionalizantes deste 39º Guarnicê serem ministradas por mulheres. Bem humorado, Fernando disse ter achado ótimo o diretor não poder ter vindo ao evento para apresentar o filme: “Assim vim eu… o que não é fácil”.

No final de sua apresentação, Fernando puxou um grito de “Fora Temer”, no que foi imediatamente apoiado pela plateia presente no Teatro da Cidade, no centro histórico de São Luís.

 Celso Sabadin viajou a São Luís a convite de organização do evento.