MOSTRA DE TIRADENTES QUESTIONA O LUGAR DO CINEMA.

Em jameiro, evento homenageia Dira Paes e discute o cinema autoral.

Consolidada como a maior plataforma de lançamento do cinema brasileiro independente, a Mostra de Cinema de Tiradentes, em sua 18ª edição, a ser realizada na cidade histórica mineira no período de 23 a 31 de janeiro de 2015 inaugura o calendário audiovisual no Brasil apresentando ao público mais de 100 filmes em pré-estreias nacionais e mundiais, oficinas, debates, seminário, exposições, lançamento de livros, cortejo da arte, teatro de rua, atrações artísticas numa programação abrangente e oferecida gratuitamente para um público estimado em mais de 35 mil pessoas.

A cada edição, a Mostra Tiradentes, renova e estabelece diálogo entre as forças constituintes de uma cinematografia criando possibilidades de refletir sobre o momento atual do cinema brasileiro. A Mostra representa o espaço das lentes originais e independentes, estimula novos olhares, provoca descobertas, antecipa o que vai ser o cinema brasileiro de 2015, afirma a coordenadora do evento, Raquel Hallak.

No ano de sua maioridade, a Mostra de Cinema de Tiradentes homenageia uma atriz de grande significado para os 18 anos de caminhada do evento, realizado anualmente na cidade histórica mineira. No dia 23 de janeiro de 2015, a atriz paraense Dira Paes terá sua carreira celebrada pela mostra, que se estende até o dia 31 de janeiro dando espaço ao cinema brasileiro contemporâneo e a discussões pertinentes ao atual momento da nossa produção. Na abertura, será exibido o longa-metragem inédito “Órfãos do Eldorado”, em que Dira atua sob direção de Guilherme Coelho em adaptação do romance do autor amazonense Milton Hatoum.

Dira Paes (ou Ecleidira Maria Fonseca Paes, seu nome de batismo) nasceu em Abaetetuba (PA) em 1969. Hoje aos 45 anos, a atriz estreou nos cinemas ainda adolescente, com 16 anos de idade, no longa “A Floresta das Esmeraldas”, do diretor estadunidense John Boorman. Apenas dois anos depois, fez “Ele, o Boto”, filme emblemático de Walter Lima Jr que já se aproximava do tipo de produção que a atrairia nos anos seguintes, sedimentando sua caminhada como uma das profissionais mais versáteis, ousadas e corajosas da dramaturgia cinematográfica e televisiva no país.

“Foi no momento de reaquecimento da produção de cinema (em 1994), ainda a duras penas, que a atriz paraense impôs sua presença, com  cabelos pretos, pele morena, aparência de brasileira amazônica e um fácil naturalismo, testado em personagens de diferentes sotaques, com acentos do cangaço e dos pampas, apesar de sua origem no Norte”, destaca Cléber Eduardo, curador da Mostra de Cinema de Tiradentes. Ele afirma que a escolha por Dira Paes como homenageada se à identificação da atriz com o tipo de cinema valorizado na mostra e pela sua constante presença nas telas ao longo das últimas duas décadas.

De fato, Dira Paes se tornou rosto e corpo conhecidos não apenas por aparecer constantemente em novelas e séries de televisão, mas também por emprestar a presença magnética a longas-metragens de grande repercussão dentro e fora do Brasil. Depois de atuar, ainda não tão reconhecida, em “Corisco e Dadá” (1996), de Rosemberg Cariry, e “Anahi de las Misiones” (1997), de Sérgio Silva, Dira emplacou uma série de outros filmes, em especial dois de altíssima voltagem urbana e narrativa de impacto: “Cronicamente Inviável” (2000), de Sérgio Bianchi, e “Amarelo Manga” (2002), de Cláudio Assis.

Intercalando três frentes de trabalho (televisão, cinema comercial e cinema autoral), Dira Paes se tornou uma atriz blockbuster ao protagonizar, ao lado de Angelo Antônio, o drama “2 Filhos de Franscisco” (2005), no qual viveu a mãe dos cantores sertanejos Zezé di Camargo e Luciano. O filme foi visto por 5,3 milhões de espectadores. Menos de um ano depois, ela reapareceu num trabalho radicalmente diferente, repetindo a parceria com o pernambucano Cláudio Assis no multipremiado e controverso “Baixio das Bestas”.

Os trabalhos mais recentes de Dira Paes a chegarem aos olhares do público foram nas minisséries “Amores Roubados” e “O Rebu”, ambas sob direção de José Luiz Villamarin e exibidas nas noites da TV Globo em 2014.

A homenagem a Dira Paes segue uma tendência da Mostra de Tiradentes, sobretudo em anos recentes, de reverenciar intérpretes como João Miguel, Rosanne Mulholland, Irandhir Santos, Selton Mello e Simone Spoladore. Todos eles transitaram por outra tela mais pop, a da TV, mas têm em comum um pacto com o cinema de autor, realizado por diretores experientes ou em começo de percurso. “A distinção de Dira na homenagem da Mostra de 2015 é o reconhecimento a uma profissional de estrada firme e de mãos dadas com a história recente do cinema brasileiro”, diz Cléber Eduardo.

TEMÁTICA: QUAL O LUGAR DO CINEMA HOJE?

Em tempos de novas e infindáveis tecnologias, em que distrações das mais variadas e elaboradas dominam a atenção das pessoas, com câmeras e aparatos por todos os lados, com infinidade de possibilidades de visão e registro, enfim, num ainda iniciante século XXI que se caracteriza pela dispersão e pela multi-informação, a 18ª Mostra de Cinema de Tiradentes propõe em 2015 a seguinte questão: “Qual o lugar do cinema hoje?”.

Sob esta temática, o evento atinge a maioridade questionando em que medida as produções cinematográficas de imersão, que insistem em se elaborarem a partir da exigência por uma maior atenção e cognição, fazem sentido num mundo em que os multiplexes e a maior parte das salas de exibição se tornaram verdadeiros parques temáticos e modernizados (com telas gigantes de iMax, cadeiras balançantes e projeções em 3D e 4D).

“Vivemos na era das câmeras e das telas na mão, com ou sem ideias na cabeça e nas imagens. Se as ideias são questionáveis, enquanto intencionalidade expressiva, os estímulos são inquestionáveis. A 18º Mostra de Tiradentes respira esse momento de ênfases, mais que de sutilezas, e coloca essa contingência, inevitável antes de positiva ou negativa, em relação ao perfil de nossa programação: o de um cinema na qual a autoralidade dos criadores passa distante dos sensacionalismos estéticos”, afirma Cléber Eduardo, curador da mostra.

Ao longo dos últimos 18 anos, especialmente desde a criação da Mostra Aurora, em 2008, Tiradentes vem exibindo um cinema de “irregularidades típicas dos primeiros filmes, de paixões da juventude expandida, de busca por uma singularidade do olhar, sem obediências a protocolos e consensos de estilo e de condutas cinematográficas”, comenta Cléber. “A autoralidade surge  menos como grife de talento e mais como um atentado às noções de competência, eficiência, produtividade e equilíbrio”.

Dentro deste contexto, a Mostra vai propor questões a partir de sua temática central, entre elas: na ampliação e dispersão dos tempos atuais, o cinema autoral exigente sobreviverá de que forma? O aumento de produção de filmes nesse segmento mais independente é sinal evidente de seu estado de saúde ou de um universo no qual o acúmulo de imagens e narrativas não encontram modos de circulação suficientes? As escolas de cinema e audiovisual preparam seus estudantes para que estéticas, estilos, telas e modos de percepção?

A cidade de Tiradentes, localizada a 180km de BH e com apenas 7 mil habitantes, recebe durante a Mostra Tiradentes toda infra-estrutura necessária para sediar uma programação cultural abrangente e gratuita, que reúne todas as manifestações da arte. São instalados três espaços de exibição: o Cine BNDES na Praça, no Largo das Fôrras (espaço para mais de 1.000 espectadores); o Complexo de Tendas, que sedia a instalação do Cine-Tenda (com 700 lugares), e o Cine-Teatro (com platéia de 150 lugares), que funciona no Sesi TiradentesCentro Cultural Yves Alves – sede do evento.