MOSTRA GRATUITA REVÊ “OS ESQUECIDOS DOS ANOS 80″.

Com o sugestivo título de “Os Esquecidos dos Anos 1980 – A Década Ignorada”, o MuBE – Museu Brasleiro da Escultura – exibe gratuitamente oito longas-metragens realizados no eixo Rio de Janeiro-São Paulo, naquela época. O objetivo é resgatar diferentes tipos de produção audiovisual que caracterizaram os anos 1980, um período de lenta abertura política no cenário nacional e crescente decadência da imagem do cinema brasileiro junto ao espectador médio, com a crise da Embrafilme e a invasão da pornografia no circuito de salas populares. Com isto, muitos teóricos e estudiosos consideram a década de 1980 de “segunda categoria”, um período a ser desconsiderado. O CineClube MuBE exibe, em boas cópias digitais do catálogo da Programadora Brasil, sete filmes relevantes concluídos à época, dentro de seus ditames estéticos próprios e na conjuntura estrutural disponível. Alguns destes são praticamente desconhecidos das novas gerações – filmes menos lembrados e/ou ref(v)erenciados dos 80s, todos injustamente. Fechando a programação no dia 03 de março, uma exibição especial do filme Onda Nova, até hoje um dos mais transgressores daquela década, em cópia cedida pelo co-diretor Ícaro C. Martins e o produtor Adone Fragano.

Foi também a década em que a cinefilia de Christian Petermann, o programador do CineClube do MuBE, se tornou séria e em que este começou a trabalhar como crítico de cinema, assistindo a muitos destes filmes quando de sua estreia. A maioria não repercutiu como merecia e teve retorno aquém de suas qualidades. Pretende-se com a mostra discutir um pouco essa injustiça histórica e resgatar a lembrança dessas produções com uma série de debates posteriores à exibição dos filmes, com convidados definidos abaixo e sem debate no sábado de Carnaval, dia 18 de fevereiro, pós-exibição de As Sete Vampiras.

Calendário de exibição:

11 fev: Brasa Adormecida
São Paulo, 1986. Direção e argumento: Djalma Limongi Batista; Produção executiva: Assunção Hernandez; Roteiro: José Roberto de Souza, Gualter Limongi Batista e Djalma Limongi Batista; Fotografia: Gualter Limongi Batista; Câmera: Djalma Limongi Batista e Chico Botelho; Música: Antonio Carlos Jobim; Arranjos e regência: Paulo Jobim; Figurinos: Patrício Bisso; 105 min.; Elenco: Edson Celulari, Maitê Proença, Paulo Cesar Grande, Anselmo Duarte, Ilka Soares, Miriam Pires, Grande Otelo, Marcélia Cartaxo, Sérgio Mamberti, Ana Maria Nascimento e Silva, Cristina Mutarelli, Patrício Bisso, Iara Jamra, Mira Haar. Distribuição à época: Embrafilme.
Debate: com o diretor Djalma Limongi Batista e o crítico de cinema Heitor Augusto
O filme: Esta comédia dramática de levada nostálgica tem título que homenageia o clássico Brasa Dormida (1928), de Humberto Mauro, e capricha na direção de arte e nos figurinos para transportar o espectador a um universo quase atemporal. O elenco reúne jovens galãs da época, como o trio de belos protagonistas, nomes do cinema erótico dos anos 1970 (Ana Maria Nascimento e Silva), veteranos do cinema (como Grande Otelo e Anselmo Duarte) e talentos dos palcos paulistanos (Cristina Mutarelli, Iara Jamra e Mira Haar). Esta mistura de referências se dá para contar a história de dois primos e uma prima amigos inseparáveis desde a infância rica e rural. Mas quando ela, já adulta, finalmente escolhe um dos parentes apaixonados como seu futuro marido, o pretendente preterido, inconformado, dá início a uma série de confusões e revelações para impedir a cerimônia de casamento. Por trás da aparente frivolidade da trama, há um entrecho por vezes abusado em termos de humor e moral. Destaque para a elegante trilha sonora original composta por Tom Jobim. Levou quatro prêmios Governador do Estado de São Paulo em 1988: atriz (Maitê Proença), figurino, cenografia (Felipe Crescenti) e efeitos especiais (Paulo Schettini).

18 fev: As Sete Vampiras (Carnaval)
Rio de Janeiro, 1986. Direção, co-produção e co-argumento: Ivan Cardoso; Roteiro: Rubens Francisco Lucchetti; Fotografia: Carlos Egberto Silveira; Música: Leo Jaime e Benê Nunes; Regência: Júlio Medaglia; 87 min.; Elenco: Nuno Leal Maia, Andréa Beltrão, Lucélia Santos, Colé Santana, Benê Nunes, Zezé Macedo, John Herbert, Nicole Puzzi, Simone Carvalho, Ivon Cury, Tânia Boscoli, Leo Jaime, Carlo Mossy, Wilson Grey, Dedina Bernardelli, Pedro Cardoso, Neusa Brizola. Distribuição à época: Embrafilme.
O filme: Este longa-metragem reforça o estilo “terrir” (terror com humor) que consagrou o cineasta Ivan Cardoso com o sucesso de O Segredo da Múmia (1982), um dos melhores filmes auto-referenciais do cinema brasileiro. O caldeirão de referências a diferentes épocas e escolas de cinema leva o elenco da fita a – de forma semelhante a Brasa Adormecida – misturar diferentes tribos de atores, como os astros “quentes” do momento (Nuno Leal Maia, Lucélia Santos e Andréa Beltrão, que era apenas coadjuvante em Bete Balanço), estrelas do cinema erótico dos anos 1970/80 (como Nicole Puzzi e Simone Carvalho), veteranos do cinema cômico (Zezé Macedo, John Herbert, Ivon Cury e Wilson Grey) e até a então filha roqueira de Leonel Brizola, Neusa Brizola, além do sucesso pop de Leo Jaime. O botânico Frederico Rossi (Ariel Coelho) é morto por uma planta carnívora trazida da África (efeito especial de Oscar Ramos e Marcos Bertoni). Ao encontrar suas roupas ensangüentadas, sua esposa Sílvia (Nicole Puzzi) é ferida no braço e passa a sofrer de súbito envelhecimento. Ela se isola do convívio das pessoas e precisa tomar o antídoto preparado pelo falecido marido. Descoberta por um velho amigo, Sílvia é convidada a trabalhar numa boate e decide montar um balé com as Sete Vampiras. A partir daí, uma série de mortes tem início, o que leva à intervenção da polícia (liderada por Nuno Leal Maia). Em 1986, o filme ganhou prêmios no festival de Gramado – troféu Kikito de cenografia (Oscar Ramos) e prêmio Edgar Brasil de Fotografia; e no II RioCine Festival – filme, atriz coadjuvante para Andréa Beltrão, montagem (Gilberto Santeiro), direção de arte (Oscar Ramos) e menção honrosa à fotografia. No ano seguinte, conquistou também o prêmio do júri popular no Fantasporto (Festival Internacional de Cinema do Porto, Portugal).

25 fev: Filme Demência
São Paulo, 1985/7. Direção e argumento: Carlos Reichenbach; Produção: Eder Mazzini, Carlos Reichenbach e Aníbal Massaini Neto; Roteiro e diálogos: Carlos Reichenbach e Inácio Araújo; Fotografia: José Roberto Eliezer; Música: Manoel Paiva e Luiz Chagas, a partir da “Oitava Sinfonia” de Gustav Mahler; 90 min.; Elenco: Ênio Gonçalves, Emilio de Biasi, Imara Reis, Fernando Benini, Benjamin Cattan, Alvamar Taddei, Liana Duval, John Doo, Jairo Ferreira. Distribuição à época: Embrafilme.
Debate: com o diretor Carlos Reichenbach e o crítico de cinema Marcelo Lyra
O filme: Filme Demência (anagrama para “filme de cinema”) foi o único trabalho na vasta filmografia de Carlos “Carlão” Reichenbach a contar com o financiamento da extinta Embrafilme. Mesmo assim, é até hoje uma de suas obras mais ambiciosas e confessionais, uma leitura urbana da lenda de Fausto e de sua eterna e trágica busca por conhecimento. Polêmica, carregada de citações literárias e inspirada na experiência existencial do próprio realizador, esta é uma experiência radical até hoje única na cinematografia brasileira e ainda capaz de conquistar adoradores e detratores em igual medida. Depois da falência de seu negócio, Fausto (Ênio Gonçalves) rompe com a esposa infiel (Imara Reis), rouba um revólver e sai pela noite de São Paulo em busca de seu paraíso imaginário. Neste trajeto suicida, ele encontra diferentes personagens emblemáticos de sua existência, sobretudo Mefisto (Emilio de Biasi), que surge sob inúmeras formas, inclusive como uma simpática velhinha. No elenco, vários nomes atuantes na Boca do Lixo de então, como a atriz Alvamar Taddei (uma d’As Sete Vampiras), o cineasta John Doo e o crítico de cinema e raro diretor Jairo Ferreira. Premiado em 1987 nos festivais de Gramado – troféu Kikito de direção, ator coadjuvante (Emilio de Biasi), atriz coadjuvante (Imara Reis) e montagem (Eder Mazzini) e o prêmio da crítica; e no III RioCine Festival, como melhor ator e trilha sonora. Ainda em 1987, foi escolhido o “filme inovador do ano” no Festival de Roterdã, Holanda.

03 mar: Onda Nova
São Paulo, 1983. Direção, argumento e roteiro: Ícaro Martins e José Antonio Garcia; Co-produção: Adone Fragano; Fotografia: Antonio Meliande; Música: Luis Lopes; Montagem: Eder Mazzini; 98 min.; Elenco: Carla Camurati, Vera Zimmermann, Tânia Alves, Regina Casé, Cida Moreira, Ênio Gonçalves, Patrício Bisso, Luis Carlos Braga, Sergio Hingst, Edla van Steen, Laura Finocchiaro. Participações especiais: Caetano Veloso, o locutor Osmar Santos e os jogadores Casagrande e Wladimir. Distribuição à época: Olympus Filmes.
Debate: com o co-diretor Ícaro C. Martins e Suzy Capó, diretora do festival PopPorn e da distribuidora Festival Filmes
O filme: Descrito por seus realizadores como “uma colagem surrealista sobre a juventude paulistana”, e tendo como título alternativo Gayvotas Futebol Clube, este filme infelizmente foi mal lançado à época e adquiriu status cult por suas inovações e ousadias, em especial por ter como centro da trama um time feminino de futebol e por ser inclusivo e tolerante em relação à diversidade sexual, de forma atípica para a época. Num sítio, um grupo de mulheres comemora a criação do time feminino Gayvotas Futebol Clube, que passa a ser subvencionado por um clube profissional. Desenvolve-se a difícil relação das jogadoras com os pais e a sociedade, pois que estes insistem na rigorosa divisão do mundo entre homens e mulheres. Há uma antológica cena de Caetano Veloso num taxi, a direção de arte é da atriz Cristina Mutarelli (de Brasa Adormecida) e, na trilha sonora, a canção-título é interpretada por Laura Finocchiaro, ícone lésbico da cena alternativa paulistana, enquanto Tânia Alves canta tanto “Vale Tudo”, de Tim Maia, quanto “Seu Tipo”, de Eduardo Dusek e Luis Carlos Goes, e Cida Moreira solta a voz em “Groupie”. Sexo, futebol e rock’n’roll em total liberdade! Cópia gentilmente cedida por Adone Fragano e Ícaro Martins.

Anote:
Horário: 15 horas
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Gratuito