“O DESTINO DE HAFFMANN”, (RE)VIVENDO TRUCULÊNCIAS.

Por Celso Sabadin.

Sempre me foi muito dolorido assistir a filmes ambientados na Segunda Guerra que falam das atrocidades cometidas pelo nazismo. De 2018 para cá, esta dor aumentou ainda mais, pois tais velhas histórias assumiram nova proporção, alcançando a dimensão da atualidade. Se, há alguns anos, os filmes sobre a truculência nazifascista incomodavam por fatores humanos ligados à História, hoje eles são ainda mais dilacerantes, pois se sintonizam com a contemporaneidade.

É como ver o retorno mortal de uma doença que julgávamos erradicada. O que era ficção assume caráter documental.

Neste sentido, mesmo ambientado na época da ocupação nazista sobre a França, “O Destino de Haffmann” carrega consigo uma lancinante atualidade.

A partir da peça de teatro escrita por Jean-Philippe Daguerre, a roteirista Sarah Kaminsky e o diretor Fred Cavayé adaptaram para o cinema esta emocionante história de intolerância, racismo e jogos de poder. O Haffmann do título (Daniel Auteuil) é um joalheiro na França ocupada que percebe a situação cada vez mais desesperadora dos judeus em sua cidade. Antes que o pior aconteça, ele envia sua esposa e seus três filhos para longe do conflito, enquanto resolve o que fazer com a joalheria. Haffmann propõe então que seu fiel funcionário François (Gilles Lellouche), que não é judeu, assuma legalmente o negócio, com a promessa e a esperança de tudo voltar à normalidade, quando a guerra acabar.

Evidentemente, algo vai dar errado (se algo não dá errado, não tem filme), e ambos terão de lidar com situações até então tidas como absolutamente improváveis.

Não é um argumento de excepcional criatividade, chegando inclusive a lembrar, em certos pontos, o clássico “O Último Metrô”, de Truffaut (sem spoiler), mas a direção segura de Cavayé (o mesmo de “Tudo por Ela” e “À Queima Roupa”), um mais do que competente trabalho de direção de arte, fotografia e reconstituição de época, e – principalmente – a destacada atuação do elenco principal, fazem de “O Destino de Haffmann” um filme a ser descoberto e notado.

A construção multifacetada dos personagens é tão preciosa quanto as joias criadas e manufaturadas pelo protagonista. Auteuil, ótimo como sempre, cria um Hoffmann genial e pragmático, capaz de imaginar e fabricar as joias mais singulares e encantadoras, ao mesmo tempo em que demonstra pelo seu único funcionário nada além de uma sóbria dignidade, sem resquício algum de afetividade humana. Gilles Lellouche, igualmente impecável, proporciona ao seu François uma espécie de arco dramático invertido, traçando a cruel trajetória de uma bondade simplória que se torna manipuladora na medida em que se corrompe pelo canto entorpecente do poder. Entre ambos, brilha a presença luminosa de Blanche (Sara Giraudeau), um pilar de sensibilidade, resistência e bom senso em meio ao caos.

Coproduzido por França e Bélgica, “O Destino de Haffmann” estreia nos cinemas nesta quinta, 11/08.