O INTRIGANTE THRILLER ROMÂNTICO-POLICIAL DE GERSON… QUEM?

Celso Sabadin, de Ouro Preto.

Na noite de ontem (20/06), dentro da programação da 10ª Mostra de Cinema de Ouro Preto, tive a oportunidade de ver o interessante longa “Antes, o Verão”, que Gerson Tavares escreveu e dirigiu em 1968. Parte de sua obra, agora restaurada, está sendo exibida aqui, numa retrospectiva especial. Como assim? Nunca ouviu falar de Gerson Tavares? Sem problemas: até pouco tempo, quase ninguém se lembrava dele, ou sequer o conhecia. E esta é uma das belezas da Mostra de Ouro Preto: garimpar tesouros perdidos do cinema brasileiro.

Atualmente com 89 anos, Gerson Tavares foi artista plástico nos anos 50, época em que morou em Paris e notou, segundo ele próprio fala no documentário de média metragem “Reencontro com o Cinema”, que não havia nenhum artista brasileiro expondo nos museus e galerias francesas. Chamou-lhe a atenção igualmente o fato de “O Cangaceiro” estar em cartaz ininterruptamente por vários meses, em Paris. E concluiu que era o cinema, e não as artes plásticas, a arte e a linguagem mais sintonizadas com sua época. Imediatamente trocou telas e pincéis por câmera e filmes. Voltou ao Brasil, escreveu, produziu e dirigiu curtas e longas, alugou seu equipamento técnico para várias produções nacionais (incluindo “Os Cafajestes”), chegou a ser premiado internacionalmente e até trabalhou sob encomenda para o governo militar da época da ditadura, para quem dirigiu 10 filmes institucionais, um para cada ministério.

Até que um dia simplesmente desistiu de tudo, ao perceber que a aventura do cinema não lhe daria recursos suficientes para sustentar sua família, que acabara de crescer. Chegou até a se desfazer de negativos de seus filmes, porque “cheiravam mal”. E recolheu-se ao anonimato de sua casa na região dos lagos, no Rio de Janeiro.

Mais de 30 anos depois, no início dos anos 2000, a Cinemateca do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro resolve vasculhar seu acervo para montar uma mostra de filmes brasileiros raros e esquecidos. E encontra uma cópia de um obscuro “Antes, o Verão”, dirigido por um então desconhecidíssimo Gerson Tavares, e com um elenco de chamar a atenção: Jardel Filho, Norma Bengell, Hugo Carvana e Paulo Gracindo. O filme vai para a mostra do MAM e quase ninguém o assiste. Dias depois, egresso do seu total anonimato, Gerson aparece na Cinemateca, querendo saber detalhes sobre o descobrimento de seu filme, que ele próprio julgava totalmente perdido. Tem início assim um processo de ressurgimento do cineasta através de sua obra, que aos poucos vem sendo restaurada e exibida.

Infelizmente, Gerson não veio a Ouro Preto, “com medo do frio”, segundo seu filho. Mas seus filmes, pelo menos parte deles, estão aqui.

 “Antes, o Verão” é uma espécie de thriller-romântico-policial baseado no livro homônimo de Carlos Heitor Cony. Fala de um casal de classe alta (Jardel Filho e Norma Bengell) que se envolve no atropelamento fatal de um homem (Hugo Carvana), o que acaba ocasionando o desmoronamento da suposta estabilidade aparente que aquela família exibia. Tratando de crises familiares, hipocrisias, paixões e falsidades, o filme demonstra um bom domínio da técnica, ainda que por vezes patine na dramaturgia que não raro resvala no novelesco. Mas tem qualidades suficientes – ainda que muitas delas históricas – para manter o interesse do público e, no mínimo, transportá-lo para um cinema muito comum e popular na época, com trilha sonora (de Erlon Chaves) que busca mimetizar os romances franceses do período, e uma onde fotografia que não esconde sua inspiração no cinema policial norte-americano.

As qualidades e os problemas que se alternam em “Antes, o Verão” são, contudo, menores diante da grandeza de um resgate cinematográfico destas proporções. É inevitável pensar quantos cineastas mais não estariam soterrados em arquivos e cinematecas por aí, em busca de algum arqueólogo digital que os ressuscitem.

 

Celso Sabadin viajou a Ouro Preto a convite da organização do evento.