“O REI DO RISO”:  A LUTA DE CLASSES VAI AO TEATRO.

Por Celso Sabadin.

Uma cena-chave em “O Rei do Riso” ajuda a compreender com mais consistência o contexto sociocultural em que o filme se insere. Nápoles, virada do século 19. A numerosa família Scarpetta – agregados inclusive – se reúne ao redor de uma grande mesa de jantar. Em clima de festa e alegria, todos parecem se divertir. De pé, somente o já então famoso dramaturgo Eduardo Scarpetta, que se encarrega de fazer e entregar o prato de cada um dos presentes. Sempre animado, Eduardo prepara cada prato de forma diferente, fazendo questão de anunciar a plenos pulmões os motivos pelos quais cada membro da família merecerá mais ou menos comida, naquele domingo.

Por mais simpático, carismático e divertido que seja, Eduardo é o suprassumo do patriarca meritocrata, machista e hipócrita, que não tem o menor prurido de espalhar filhos pela região, com diversas mulheres de diferentes classes sociais, desde que ele próprio nunca perca o protagonismo e – claro – o poder de decidir quem comerá mais ou comerá menos à volta de sua mesa.

Para quem não sabe (eu não sabia, antes de ver o filme), Eduardo Scarpetta foi um dos mais populares atores e dramaturgos italianos (principalmente de Nápoles e região), autor de mais de uma centena de comédias. Ele também é conhecido por ser o pai do dramaturgo Eduardo de Felippo, tão querido em Nápoles que suas estatuetas são vendidas aos turistas junto com as de San Gennaro (esta parte não está no filme).

“O Rei do Riso” se centraliza em um processo judicial que outro famoso escritor e dramaturgo italiano – Gabrielle D´Annunzzio –  moveu contra Scarpetta, por um suposto plágio. O napolitano argumentava que se tratava de uma paródia cômica, e não de uma imitação, enquanto os advogados de D´Annunzzio se mantinham irredutíveis.

Na verdade, o embate simboliza a eterna luta entre a suposta seriedade do drama e a eternamente subestimada comédia. D´Annunzzio, nascido em Pescara, representa aqui a nobreza da Itália do norte, a sofisticação, o artista apoiado política e midiaticamente. Do outro, Scarpetta é o homem rude do sul, de humor questionado pela burguesia, mas de fortíssima identificação com o grande público. É a luta de classes (re) interpretada nos palcos italianos.

Com roteiro de Ippolita Di Majo e do próprio diretor, Mario Martone, “O Rei do Riso” é melhor de trama e de ideias que propriamente de cinema. Uma montagem hesitante estica o tempo de determinadas sequências aparentemente de maneira disfuncional, causando um certo desequilíbrio da narrativa, que se propõe clássica. Uma certa insistência de povoar o filme com uma vasta quantidade de canções napolitanas em sua trilha musical acaba produzindo mais ruído que propriamente auxiliando, mesmo porque não raramente as letras das canções interferem auditivamente nos diálogos, potencializando a confusão que já é inerente ao dialeto.

Contudo, o “O Rei do Riso” oferece a sempre bem-vinda presença de Toni Servillo (de “A Grande Beleza”) no papel principal, o que por si só já vale o filme.

O longa faz parte da 8½ Festa do Cinema Italiano no Brasil. A programação completa está em https://br.festadocinemaitaliano.com