“PACIFICADO”: UM OLHAR TEXANO SOBRE A FAVELA CARIOCA.  

Por Celso Sabadin.

Após passar 14 anos na cadeia, Jaca (o belga de origem congolesa radicado no Brasil, Bukassa Kabengele) volta às suas origens, decidido a recomeçar a vida de forma honesta. Sua ideia é pegar o dinheiro que secretamente enterrou antes de ser preso e abrir uma pequena pizzaria. Porém, seu passado de crimes e as pressões da sociedade incessantemente buscam empurrá-lo de volta à marginalidade. Enquanto isso, a adolescente Tati procura saber se Jaca é realmente seu pai biológico.

Por incrível que pareça, esta sinopse-clichê de filme médio policial norte-americano é de um longa brasileiro: “Pacificado”. Ou, pelo menos, parte brasileiro, posto que se trata de uma coprodução com os Estados Unidos.

Comecei a ver “Pacificado” sem saber que se tratava de uma coprodução. Não é fácil, mas gosto de ver os filmes sem ter informação alguma sobre ele, para só depois pesquisar a respeito. Minhas primeiras impressões foram das mais positivas: a qualidade técnica da filmagem, o vigor dos enquadramentos e movimentações de câmera, a contextualização geográfica da favela carioca, a ótima atuação da protagonista Tati (Cássia Nascimento Gil), tudo me levava a crer que seria um grande filme.

Contudo, na medida em que a trama se desenrolava, “Pacificado” começou a me incomodar de forma crescente. Gradativamente, ele assume narrativas e formatações de filme comercial norte-americano, busca a segurança dos clichês, flerta abertamente com o cartão-postal, apoia-se na espetacularização visual da favela e falha ao evitar o maniqueísmo. Foi inevitável não compará-lo ao igualmente espetaculoso “Cidade de Deus” e não reviver toda a polêmica da “Cosmética da Fome”, levantada à época do lançamento do famoso longa de Meirelles.

Ao final do filme, a certeza: sim, estávamos novamente diante de um “favela exploitation”, ou seja, a questão social brasileira enfocada sob as lentes rasas do cinemão comercial estadunidense, onde as mazelas alheias são encaradas com o exotismo consumista de quem vai ao zoológico. Não falta nem a cena sobre regiões de matrizes africanas, que os gringos tanto gostam.

O material de divulgação de “Pacificado” informa que seus roteiristas – Wellington Magalhães e Joseph Carter – têm vivência no assunto: Magalhães é morador da comunidade do Morro dos Prazeres, e Carter permaneceu durante 12 anos por ali. Não foi o suficiente: a direção do texano Paxton Winters tem o olhar viciado do mercado, do produto formatado sob medida para encobrir o visceral da realidade com o necessário verniz comercial que leve o filme a fazer sucesso – digamos – numa Netflix da vida.

Assim, “Pacificado” é – como se diz – favela “para inglês ver”. Ou, como se dizia antigamente, pois hoje é mesmo “para norte-americano ver”.

Pelo menos não tem narração em off, o que já é um bom ganho sobre “Cidade de Deus”.

 

Depois de uma boa carreira de premiações e indicações em festivais como San Sebastian. Miami e São Paulo, “Pacificado” estreia nos cinemas brasileiros nesta quinta, 11/08.