SAIBA TUDO SOBRE O PRIMEIRO DIA DO FESTIVAL DE VITÓRIA.

Sob licença do site Cinequanon, o Planeta Tela reproduz, a partir de hoje, a cobertura muito especial do 21o. VItÓria Cine Vídeo, realizada por Cid Nader. Acompanhe:

Para iniciar essa primeira vinda do site ao Festival de Vitória, antes das críticas aos curtas e longas e vistos – que como sempre disponho somente sob a diferenciação da “metragem”, e não obedecendo temas em que são inseridos, já que a intenção de avaliação de cada um normalmente deveria recair sobre ele dialogando e “sendo” para públicos mais amplos, e não setorizados -, e substituindo nesse primeiro dia as crônicas que por vezes se oferecem descaradamente por aqui (por vezes me vejo invadido por algum espírito cronista que pensa-se engraçadinho e observador a mais do a tela me oferece), faço primeiro apanhado para breve pinceladas sobre as produções curtistas capixabas que abriram o evento, no bonito e bem conservado Theatro Carlos Gomes, no centro da cidade, cheio (algo bastante comum em aberturas, normalmente mais cheias do que o restante do evento pelos dias que se seguem), que será a sede das sessões em competição.

A coisa começou bem demais pelas mãos de Vitor Graize e Igor Pontini, jovens e fanáticos torcedores do Vitória F.C., que durante o ano de 2012 acompanharam seu time, por conta do seu centésimo aniversário, captando evidentemente muitas imagens por longo período, para concluírem um curta que tem extrema potência de edição (curtas-metragens, talvez mais do que qualquer outra ideia de cinema, são o campo onde a edição têm de ser executada com mais precisão e esperteza, diga-se sempre). Com Vitória F.C. conseguiram coisas que muitos tentam e poucos alcançam: contar de futebol, algo tão pregado nas sensações, por meio dos seus sons e imagens; pelas cores e ruídos; pelo “cheiro”, que se não no campo e nos vestiários, somente por captações específicas e soltas se consegue alcançar: diga-se soltas, como algo que repetiram aqui, quando por vezes largaram as lentes permitindo que flanassem pelos ambientes, sem necessidade específica de fixação, mais como representação instintiva das emoções. O resultado é bonito e ao mesmo tempo pleno das dramaticidades que somente o futebol pode oferecer no “espaço das coisas vivas” (especialmente bacana as imagens da torcida em movimento; belas as dos instantes de final de jogo com as lentes observando outros, e não especificamente os que estão em ação na cena; e genial a dos radialistas, como registro secular da compreensão do que é a paixão por esse esporte e os modos de tentativa de explanação factual).

Outro belo momento se deu com outro documentário, Desfragmentos, de Melina Leal Galante, no qual grande jogo de textura é obtido – através de ato “físico”, quando passeia as lentes pelas diversas possibilidades que um cemitério de azulejos pode oferecer -, criando curta onde as sensações visuais são o tempo todo estimuladas. As opções de ângulos, e também de luminosidade para criar espectros que falam diretamente á retina, foram precisas, “secas” e diretas, para serem transformadas nas tessituras variadas que criam a alma do trabalho. E cai bem a fuga do que poderia ser (mesmo que muito bom) “somente” exercício estético, para a atenção a alguns instantes onde “gente” acaba interagindo com as lentes e microfones: quase como contraponto à situação guia principal, essa das palavras e respiros casa bem, para completar melhor o que filmes por vezes exigem para serem melhor aceitos. Justo e preciso. Já animações – como talvez o modo que mais esteja em expansão pelo país -, causam a cada vez mais sensações díspares para quem viaja e vê muitas delas, nos mais diversos lugares, e essa daqui, de Davi de Jesus Cao, Saia, acaba por ir além de tudo nos estímulos que a ansiedade por novidades no setor podem carregar. Feita por computação, ao mesmo tempo que pode parecer boa – pela qualidade “limpa” do que é constatado -, soa demais acomodada: mesmo dentro do que deve ter exigido dele trabalho árduo, significa sim certo comodismo valer-se de animações que podem ser criadas por toques e deslizar de dedos, e não por algum suor a mais debaixo de luzes ou com sujeira de tintas ou massas na mão – talvez uma opção purista de minha parte, sabe-se lá. Além do mais, a sensação de estranhamento das situações e dos “personagens”, parecem repetição de um modismo, coisa que tem sido feitas ao baldes (bits) por aí: um pouco mais de autenticidade sincera seria bacana, porque o moleque não parece bobo não.

Pela janela, de Diego Jesus, a primeira ficção entre os curtas locais, padece justamente do que ficções por realizadores iniciantes costumam padecer, que é na interpretação. Diretores jovens acabam focando demais seus trabalhos ficcionais na questão dos protagonistas, perseguindo-os com muita ansiedade, acreditando que é ali que a questão principal da construção se dará: tanto não é quanto, para piorar, normalmente atores e atrizes novos não seguram bem o rojão. Isso definitivamente ocorre em seu filme, que tem momentos de captação e imaginação cênica, que tem boa ideia condutora – inclusive resultando em boa mesmo cena final -, mas que vê tudo muito mais fragilizado por conta da ainda não percepção de não se deve apostar demais no ser, quando ainda se inicia, quando ainda não se tem a total noção do quão complexo é trabalhar em ficção. O diretor Léo Alves subiu ao palco com a equipe, falou de diversos prêmios que ganhou pelo roteiro de Pássaro de Papel, que teve de abdicar de todos pois somente poderia utilizar um e tal. Vamos ao filme e o que notamos é produção de bom acabamento, com evidente suporte financeiro obtido, mas que faz tudo e tudo bastante vincado em imagens “supérfluas”, que entregam algo bonito e oco ao visual, de música constante e melosa se repetindo. Não há realmente cinema nesse curta: há a compreensão equivocada de que cenografia (os antiquários onde alugou as peças devem ter ficado feliz) exagerada paga a vez dos conceitos imagéticos, de que sequências em flashbacks podem representar modo narrativo e suas costuras, de que beleza fácil e histórias edificantes são temas que se fazem como bom modo de alcance… É de muito mais do que isso (ou “muito menos”) que se precisa para essa arte.

Pelo sim e pelo não, na comparação a outros eventos “menores” a que vou pelo ano e pelos anos, esses curtas que vi ontem aqui do Espírito Santo (ao menos dois deles muito bons) mostraram recorte interessante e, principalmente, diversos.

Ano passado, tendo um galpão (ou algo que o valha) da zona portuária como o local das exibições, ficou conhecida pelo país reclamação geral de que as projeções sofreram demais, principalmente no quesito “qualidade sonora”. Agora, fico sabendo por coisas contadas para mim na chegada aqui, que a coisa foi um tanto mais complexa e, digamos, pitoresca: um transatlântico teria quebrado ao lado na região, e pro conta de seu motor em funcionamento por diversos dias todo o entorno sofreu constantemente da interferência sonora; desesperadas, pessoas do festival foram solicitar ao comandante que desligasse o motor (reparem que faço aqui uso de liberdade poética, pensando que a coisa se deu mesmo dessa maneira: pessoas da organização, indo falar diretamente com um comandante de navio, assim, na lata, sem nada de burocracia no meio do caminho – pensemos nele, então, de uniforme branco e quepe brilhante), já que o navio não sairia mesmo de lá por uns dias, ao que esse, poderoso em sua cabine (mais liberdade) teria retrucado com um “vocês pensam que um navio é como um carro? Só desligar o motor e pronto? Tudo aqui depende demais do funcionamento constante do motor: não é assim não…”. Azar da opção pela escolha do local, e do inadvertido público que pensava somente ver cinema…

E já que não deu mesmo para impedir a manifestação do cronista fantasma que teima em se fazer figura companheira, completo: ainda não deu pra perceber muito de Vitória não. Vi, de cima, que tem pontes e rios – mangues no entorno, também. Vi, de baixo, que as pontes fazem parte vital da cidade e suas comunicações com o mundo, inclusive com uma delas hiperalta tendo seus 70 metros de altura, assombrosa com dois pilares que têm 200 metros entre si para que as grandes embarcações passem sem problemas, e que ainda por cima congestiona feio no final da tarde. Fiquei sabendo que a cidade em si, como Vitória mesmo, não chega a 400 mil habitantes, enquanto sua alma gêmea, em “terra firme”, Vila Velha, conta com algo pra lá de um milhão e trezentos mil. As pessoas são simpáticas, o mar é de cidade portuária, e os banhistas, afinal, não são banhistas por aqui, pois só os vemos andando e correndo na areia enquanto o mar fica vazio deles (disseram que a água é muito suja). Muito cedo para tentar decifrá-la um tanto a mais, mas me parece um tanto indecisa em seus sotaques, em suas certezas (lembro das brincadeirinhas que fazem do Espírito Santo uma ilusão, ideal apêndice para Minas Gerais contar com mar, um sonho interno de querer ser Rio de Janeiro: percebi ontem à noite, voltando para o hotel, que se ouve muita música setentista e oitentista nos ambientes), o que acaba por esconder coisas mais visíveis e deduções mais precipitadas. Veremos, pelos dias.

CURTAS-METRAGENS

Viagem na Chuva, de Wesley Rodrigues (ANI, 13 min/GO)

Ano passado, Wesley Rodrigues surgiu como que de repente com Um Autêntico Western que pareceu a mais do que era, na verdade, por ser trabalho surgido em Goiás, lugar nem tanto afeito a trabalhos com seres inanimados – ao menos sem ganharem destaque pelos festivais do país. Era a animação que destacava de outras – sempre lembrando que estamos com grandes animadores por aqui e nossa produção anda bem constante e de qualidade -, cheia de variações e referências, mas principalmente primando pela boa qualidade no trato final, no ritmo dos personagens, que se moviam de forma nada econômica nos trabalhos manuais do diretor. Agora, 2014, surge com Viagem na Chuva, de outro modo de concepção – melhor dizendo: com outros modelos de resultados na tela -, talvez visualmente mais rico que o antecessor, com certeza extremamente mais colorido, mais barulhento e sonorizado, novamente bem farto na movimentação, mas, talvez, mais excessivo, quando pensado no todo: quando se sai do filme sem a noção exata de até onde partes diversas existiram mesmo, ou se existiu ali um amalgamado que criou massa quase indivisível às sensações.

Longe de ser ruim – bem longe mesmo -, todo o trabalho realizado em 2D de muitas cores fortes acaba por cansar um tanto a mais a retina, pois na falta de espaços ou diminuição do ritmo de luz jogada na tela cria-se sensações de atropelo, onde não se notam os detalhes (que são muitos e com certezas frutos de muito empenho), onde a sensação de sonho ruim extrapola da história para o espectador. Há bons efeitos de transparência, algumas belas (e poucas) passagens de um estado de cor para o outro, quando o excesso é rapidamente substituído por cores mais brandas (“mais sépia”) – isso na fusão entre passagem ‘onírica” e a parede do quarto, no quadro pendurado na parede, por exemplo – , e beleza estranha nos traços… Tudo que somente reforça o lamento pelo excesso, numa animação que poderia render muito mais se Wesley talvez se conformasse com a certeza de que por vezes menos pode fazer muito bem.

Uma Carta Para Heitor, de Larissa Fernandes (FIC, 15 min/GO)

Primeiro: a câmera nervosa, na mão, dando chicotadas como se ainda estivéssemos em tempos falcatrueiros do Dogma 95, contrasta frontalmente com a boa ideia dos vídeos que deflagrarão a partida da garota em busca do amor antigo da mãe. Ocorre algo que poderia ser pensando como esperteza no imaginado para a edição concorrendo em potência para o desenvolvimento algo singular de trechos do curta, enquanto há fraqueza na hora do “vamos ver”, da câmera em punho, com imitação de trejeitos que nada contribuíram para o bem da arte (além de ser perceptível em outros instantes que as tomadas nem são lá muito seguras, mesmo)

Segundo: atuações raramente são o suficiente para salvarem ou afundarem um filme… Mas, talvez com Uma Carta Para Heitor já debilitado pelas obtenções ruins das imagens dos moimentos “presentes” das ações, esse quesito, o das atuações, acaba imperando demais no todo, na percepção do trabalho amarrado, criando quase a sensação, por vezes, de filminhos feitos entre amiguinhos amadores, sem possibilidade de sustentarem sua arte na empreitada – importante lembrar que a opção das cenas no trabalho cabe ao diretor, e isso pode ser fator do resultado constatado.

Terceiro: há pressa demais para a apresentação das situações – há a discussão em casa, a ida a Heitor, a descoberta de sua situação atual, de sua opção e do assumir-se, revelações, questionamentos, apresentações, tudo numa correria que faz perceber que estaríamos diante do projeto para um longa em FF.

Quarto: e aquela música final? Denunciadora demais e ao extremo do quanto juvenil era a proposta de Larissa Fernandes, e de como ele deve ter pensado e enxergado tudo que bolou e fez…

Nem a ideia dos vídeos salva.

Canto de Outono, de André Antônio (FIC, 13 min/PE)

Filme de dândi vindo de Pernambuco: com direto a sotaque clichê de carioca partindo dos pensamentos off do personagem (pode ser na banheira com velas, pode ser deitado no chão ao lado de flores, ou acendendo um lampião…), que recitam para si e ao público poema resgatado de Baudellaire. Sob captações internas caprichadas, num início em que já se nota que trataremos de acompanhar os mimimis de um burguesinho entediado, não se pode reclamar da falta de tentativas nos quesitos imagéticos (muitas delas boas) para preencher um certo vazio de mote que conduzirá o filme, pois largada a contenção da câmera dentro de ambientes internos (onde tudo pode ser mais calculado), sai-se á rua, e uma leve e segura perseguição ao personagem reforça notar certezas nas obtenções estético-visuais.

O drama aqui é tentar avaliar se toda essa segurança no obtido pelas imagens, pela boa elaboração na edição, e até na escolha da música que embalará a jornada (do recolhimento para uma festinha – novamente burguesia vigendo a mil) é suficiente para botar fé a mais do que estarmos mesmo diante de um filme caprichando contando do vazio, sim (daquilo que toca forte no momento em que se é jovem e os “dramas são mais dramáticos”), mas de vazio que está na essência da intenção, do mote proposto. Melhor dizendo: ao continuar o capricho nas imagens de luzes e modernidades dentro de um casarão antigo, ao elevar o garoto do patamar de dandismo entristecido para o lugar do jovem que também quer viver a vida, começa a fortalecer a sensação de que nos colocaram diante de uma joia com brilhos e lapidação moderna, mas falsa, sem valor pra valer: de diamante belo, mas que não tem poder para ferir ou cortar o vidro que poderia ser parceiro (ou ferir ele) no sofrimento narrado.

Linda, Uma História Horrível, de Bruno Gularte Barreto ( FIC, 20 min./RS)

Quando o filho se senta com a velha mãe na cozinha da casa que foi a de sua criação, para onde retorna por um momento (uma breve visita? A ela? Ao seu passado onde, criança, era resguardado das coisas horríveis da vida? Aos momentos em que todos sonham, por vezes, mesmo tendo encontrado a vida fora do lar, mesmo tendo encontrado amores ou paixões – que talvez representem as melhores passagens no pós núcleo abrigados familiar.), reparando que ela envelheceu, que as coisas do entorno envelheceram (degradaram, mesmo objetos inertes), que suas cobranças à ausência dele remetem quase como ao lamento por um tempo que já se foi e não voltará jamais (isso que ele sente fortemente no reencontro, por razões diversas do sentir dela, mas com a mesma potência de angústias e tristezas), a sensação do que é passado da tela para a plateia ganha mais verdade, mais naturalidade, mais sentir aproximação pela iluminação que enche aquele ambiente de sombras e pouca densidade feérica, como se fosse na cozinha de qualquer um, com se não fosse um ambiente fílmico.

Tanto há certezas na construção da essência daquele reencontro – nos olhares obtidos, nas fugas dos olhares, no texto, no amor que não se permite abrasando as feições de mãe e filho -, quanto há verdades obtidas pela elaboração cênica, pela composição ambiental e das luzes que fazem dali um lugar crível, adequado para fazer com que para mais do que o mote o obtido pelas lentes “fale” para complementar o que está sendo dito e sendo sentido na história. Há verdades de cinema na construção e elaboração do curta, por suas opções que declinam poder importante às captações, que dedicam atenção exata e rara à edição que irá ajuntar o que foi belamente filmado. Descobre-se ao final, nos créditos, que a fotografia é de Bruno Polidoro, e se compreende imediatamente a razão do obtido ser de tanta qualidade quanto a aposta do diretor Bruno Gularte Barreto nesse quesito.

Num dado momento, já capturada a plateia pelo clima de tristeza e curiosidade entre ambos, quando imagens de setores da cozinha são elevados aos que tomam para si a esfera da contemplação (cantos, xícaras, sujeiras), em alternância plácida que coaduna com o ritmo do contado, ocorre o “milagre” que faz com que um filme passe de qualquer patamar que seja, para instalar-se como o de obra (de cinema) rara. E mesmo como por milagre, todo o setor final se embriaga dessa raridade, criando sensação de adensamento das emoções, que basicamente encaminharão para desfecho (não o anterior, não o do espelho, que até me parece a única coisa que poderia ser abreviada, já que todo o processo entregava naturalmente para aquela constatação), dos mais belos no cinema, de olhar, de falar que é linda… Emocionantemente raro esse instante! (FOTO 5)

Embaraçadas, de Paulo Sena (FIC, 12 min/ES)

Os primeiro e segundo planos – num corredor de hospital -, a luz utilizada, a qualidade dessas imagens e os quadros obtidos já deveriam ser suficientes para ligar o alerta dizendo que não renderia boa coisa esse curta de Paulo Sena. As primeiras “falas”, no pensamento da aula de dança, sobre paixão e como estaria ali o amor para a vida toda, o modo como são filmados aqueles momentos para desembocar num corte dentro do carro que antecipará situação inicial, soam tão artificiais que outro alerta, mais vigoroso ainda, diz que de maneira alguma há até aquele instante qualquer situação que possa encaminhar Embaraçadas a bom termos. Pensamentos em off dominantes para representar alguém e suas ideias sempre soam como acomodação do diretor, como algo arrancado da mais simplista das cartilhas: e o filme é repleto deles, que, ainda mais, não entregam ideias um tanto mais complexas ou elaboradas do que as que se podem encontrar em folhetins ou livretos dos mais populares.

As poucas tentativas de maior elaboração estética – uma de danças e outras de amor entre as duas protagonistas – acabam por parecer peças artificiais pelos resultados, e encaixadas no curta como se fossem a única real razão de o filme existir: como se Paulo Sena tivesse imaginado os momentos, e a partir daí elaborado todo o restante. Soa até falsa – sem saber se seria mesmo: isso, provavelmente, só está na cabeça dele – a situação do amor entre elas; isso se nota pela fragilidade das “falas”, pelos momentos de interação, pelo relacionamento que não indica naturalidade – já num filme bastante enfraquecido em seu resto todo. Cinema é muito mais do que repetição de fórmulas comuns: se for pra repetir fórmulas, que se vá às mais complexas, menos conhecidas, mais em favor da arte. Se for para defender bandeiras que têm de ser defendidas nesses tempos em que isso chega a ser obrigação, que se use o instrumento de defesa (aqui, o cinema) como o de manipulação mais justa à suas qualidades.

LONGAS-METRAGENS

Entreturnos, de Edson Ferreira (FIC, 82 min/ES)

Natural ver longas-metragens locais tendo a chance de nascerem em seus festivais: talvez até chance única de existirem em tela, torcendo sempre para que não, para que tenham vida longa e viagens ao mundo> Entreturnos, então, cumpre essa função meta/cota e faz-se como certa apresentação do que poderia ser a produção local, em tempos longos, para “turistas’ que talvez nunca tenham visto trabalhos do Espírito Santo: e isso pode ser complicado para esses “turistas” diante da produção local (desconhecimento do qual não faço parte, e que por outro lado se me impôs olhar mais atento e rigoroso sobre o que constaria em tela, já que o que conheço daqui – e não destaco nomes ou obras porque não é caso de antagonizar – tem qualidade superior e muita identidade própria dialogando fortemente com o que história universal do bom cinema), tanto quanto carga pesada para o diretor Edson Ferreira carregar. E o que se deu? Como o filme fluiu? Foi representante digno, foi de diálogo com ouras cinematografias., ressaltou características próprias?

É assim: o filme começa com bom destrinchamento e observação social do que é a vida comum nas ruas, no ambiente pra lá de popular de um ônibus ou de um boteco, por exemplo, com atenção por vezes de caráter quase antropológico, criando fluxo de interação com o público bem interessante no início, no momento das cartas iniciando serem reveladas: esses instantes nascedouros se sustentam bem por conta de boas captações das lentes (que não se sustentarão até o final), de boas atuações (que irão bem das pernas pelo trajeto todo, umas com mais firmeza, outras um tantinho mais clichê, mas se garantindo de maneira suficiente), da edição justa e precisa nas costuras de ambientes (que se complicará fortemente justamente no instante em que sairá da linha de segurança para alcançar beiradas que são o desejo forte do diretor na construção da trama), enfim, entregando um produto inicial que se faz bastante competente para capturar as atenções. A naturalidade de todo o início, de toda a observação ambiental das regiões onde existe, dos momentos alternados entre dia e noite, parecendo fruto do acaso (que com certeza não são) leva a pensar em trabalho que encontrou seus caminhos sem que sustos surgiriam pelo trajeto para que perdesse foco e caminhos.

Mas, justamente a partir de um corte que faz pensar, “uau, o que esse cara tá fazendo aqui?” (no caso de um personagem preciso – vivido por um ator de São Paulo -, em ambiente que ninguém até então imaginaria existir na trama), e “nossa, isso está ficando mais interessante!”, quando a ideia proposta por elipse remexe as sensações já acomodadas com o ritmo de até então (e, sim, mesmo em trabalhos que já estão de alguma maneira sendo bem aceitos, mudanças e guinadas súbitas seriam sempre alento a mais, pois cinema de dinamismo e viradas na linguagem são os que mais deveriam ser ansiados, sempre), o filme parece criar oposição interna impensável até então. Porque, a partir dessa mudança de propostas, quando não só aquela elipse transformadora existe por si, mas diversas outras passam a suceder em períodos cada vez mais breves e velozes, porque justamente a partir do instante em se percebe que a ideia inicial era muito mais complexa na cabeça do diretor, retirando o filme do que se pensava até então, e embicando-o na direção de ser de momentos de thriller, repleto de reviravoltas e “sacadinhas”, é que se nota a piro das fragilidades que qualquer obra de imagens pode conter: a da autoexplicação pormenorizada de cada recanto, de cada situação, do que poderia gerar dúvida na cabeça de quem vê.

Ao optar por relatar em tela e por cenas tudo que deflagrou momento catártico, com flahs/elipses que parecem bulas de remédios para crianças, Edson passa a perder beleza de imagens que até então pareciam registros sinceros e sensíveis de “um mundo”, pois para cada um daqueles momentos havia outra razão de ser (ele evita o poder do lúdico criado para bancar a aposta numa outra trama, que em se pensando esperta e precisa se faz mesmo bastante débil e sequestradora das belezas criadas até então): mas, pior, é que a partir do instante em que pensa seu trabalho como o que deveria “vingar” pelo poder da reviravolta (e essa aposta é aceitável já que a obra e ideias são suas), não confiar tanto na sua capacidade de construção alterada (e nem no poder do público em “aguentar” o tranco da mudança de rumos), passando a preencher todos os instantes com costuras pra que não sobrassem sobras ou pontas, e ainda levando tudo a fechamento (última cena mesmo) bastante fragilizante para o que imaginou ousado, deixa como resultado a sensação de que perdeu a oportunidade de marcar melhor nossas retinas – coisa que por diversos instantes triscou conseguir, inclusive no início da “reviravolta”.

Texto originalmente publicado em www.cinequanon.art.br
Cid Nader viajou a Vitória a convite da organização do evento.