“SAPATO 36″, PRECARIEDADE E PAIXÃO.

Por Celso Sabadin.

Quem acompanha todas as semanas as grandes competições do futebol brasileiro, com seus estádios lotados e salários milionários, quase nunca (ou nunca) pensa no “outro lado” de todo este glamour: o futebol de várzea e sua gigantesca precariedade.

Assim como acontece em praticamente todas as áreas do conhecimento humano desenvolvidas no Brasil, também é marcante o abismo sócio-cultural-econômico que se verifica em nosso futebol. Para registrar o outro lado da fama, da glória e dos estádios recheados de público e patrocinadores, o cineasta pernambucano Petronio Lorena realizou o longa “Sapato 36”, que chega aos cinemas nesta quinta, 04/08.

O recorte escolhido pelo roteiro é o futebol de várzea praticado no bairro de Santo Amaro, em Recife. Com fluidez, ótimo material de arquivo e – principalmente – sem cair na armadilha das lamentações chorosas que o tema facilmente poderia proporcionar, “Sapato 36” investiga este quadro bem específico do esporte, no qual a palavra “amador” se reveste de seu principal significado: relativo a quem ama. Pois só mesmo a paixão pelo futebol explica a dedicação de quem o pratica intensamente, mesmo desprovido de qualquer estrutura e apoio.

O longa é feliz ao contrapor – entre outros – dois personagens dos mais representativos do universo santamarense: o hoje cabeleireiro Mauro Shampoo, um dos maiores ícones do Íbis, conhecido e mitificado como “o pior time do mundo”; e Ricardo Rocha, tetracampeão mundial de futebol pelo Brasil.

Ambos representam simbolicamente não apenas os opostos da carreira, como também o próprio desequilíbrio social do Brasil, nossos polos opostos, nossas injustiças e abismos.

Como dizia aquela propaganda do SporTV, “Não é só futebol”.

Além de “Sapato 36”, Lorena também realizou os curtas “Faço de Mim o que Quero” (2009), “Calma Monga, Calma” (2011) e o longa “O Silêncio da Noite é que Tem Sido Testemunha das Minhas Amarguras” (2018).