“TINTORETTO”, VELOZ E FURIOSO.

Por Celso Sabadin.

Antes que, novamente, me acusem de fazer trocadilhos infames (o que evidentemente é uma infâmia), esclareço que o título desta matéria não nasceu da similaridade entre os nomes do pintor renascentista Jacopo Tintoretto – o foco do documentário aqui analisado – e do personagem Dominic Toretto, interpretação de Vin Diesel para a série de filmes “Velozes e Furiosos”. Quem classifica Tintoretto como “veloz e furioso” é um dos especialistas em história da arte que presta seu depoimento em “Tintoretto – Um Rebelde em Veneza”, documentário que faz parte da programação do 8 ½ Festa do Cinema Italiano no Brasil.

E por que Tintoretto era veloz e furioso? De acordo com o filme, por sobrevivência. Concorrendo feroz e diretamente com pintores de classes sociais mais altas, em busca de seu espaço no concorrido mercado artístico italiano da época do Renascimento, o jovem veneziano tinha de produzir mais e melhores quadros, em menor tempo, para garantir sua sobrevivência. Acabou criando assim um novo estilo no qual partes de seus quadros eram povoados por imagens difusas, sem a mesma riqueza de detalhes de seus competidores, mas com um inovador viés expressionista dos mais intrigantes. Como todo estilo novo, foi controverso.

Contudo, a real grande polêmica que marca a primeira fase de sua carreira foi o quadro “O Milagre do Escravo”, também conhecido como “O Milagre de São Marcos”, no qual Tintoretto tem a ousadia de colocar em destaque, no centro da tela, não o santo que fez o milagre, mas sim o próprio escravo. Com o agravante que a obra fora encomendada pela Scuola Grande de San Marco que, claro, a recusou.

O ato de rebeldia humana enfureceu as autoridades eclesiásticas e rendeu a Tintoretto uma perseguição implacável de seu maior mestre, o poderoso Ticiano Vecellio, que fez de tudo para que o rebelde não conseguisse mais encomendas.

Tais histórias – e várias outras igualmente fascinantes – contadas no documentário inevitavelmente nos incitam a imaginar como elas seriam retratadas em um filme ficcional. Alguma coisa, por exemplo, do porte de um “Amadeus”, totalmente rodado em Veneza, onde Tintoretto seria o equivalente a Mozart, e Ticiano o contraponto Salieri.

Enquanto a imaginação voa, o filme ainda nos prepara outra agradável surpresa/provocação: depoimentos de especialistas em arte afirmando que Tintoretto teria sido o primeiro pintor com visão “cinematográfica”, isso 350 anos antes da invenção dos irmãos Lumiére. Até o premiado cineasta galês Peter Greenaway entra no filme para corroborar a premissa. Para saber mais, só vendo o documentário, que chega a comparar os tetos de Tintoretto aos de “Cidadão Kane”.

Narrado por Helena Bonham Carter, e com uma trilha sonora exageradamente triunfal, “Tintoretto – Um Rebelde em Veneza” só não tenta explicar o motivo pelo qual absolutamente todas as pinturas importantes da época têm temática bíblica. Nem precisa, né? Entrar no espinhoso assunto do perverso domínio da igreja católica nas relações de poder do momento poderia comprometer o financiamento do filme, de produção 100% itaiana. Deixa quieto, então.

Uma última observação: o verdadeiro nome de Tintoretto era Jacopo Robusti. O nome Tintoretto vem da profissão do seu pai, Battista, que era “tintore” – palavra geralmente traduzida para o português como “tintureiro” – que designa o ofício de pintar tecidos.  Como Battista era tintore, seu filho seria o pequeno tintore, ou seja, um tintorretto. Tipo Gatito Fernández, o goleiro do Botafogo, filho de Gato Fernandez.

A programação completa do 8 ½ Festa do Cinema italiano no Brasil está em https://br.festadocinemaitaliano.com