TIRADENTES 2015: “ERRANTE”, O FILME QUE NASCEU DO SONHO. LITERALMENTE.

Por Celso Sabadin, de Tiradentes.

Em tempos de projetos engessados por pesadas máquinas burocráticas e de editais mastodônticos, foi profundamente prazeroso e reconfortante ver o Cinema retornado à simplicidade de suas origens através da leveza de “Errante”, o mais recente longa de Gustavo Spolidoro.

Com o subtítulo “Um Filme de Encontro”, “Errante” é um trabalho pautado, literalmente, pelo sonho. A proposta de Spolidoro foi a pegar uma câmera digital e um smartfone e sair pelas ruas de sua cidade, Porto Alegre, registrando o acaso. Mas mesmo o acaso precisa ter um ponto de partida, e o cineasta propôs a si mesmo que começaria as filmagens inspirado pelo sonho que tivesse na noite anterior ao inicio do longa. Como ele sonhou com uma lanchonete (ops, lancheria, pois o filme é gaúcho), “Errante” tem seu ponto de partida dentro deste estabelecimento. A partir daí, o homem e sua câmera saem pela vida, livres, leves e soltos, conversando aleatoriamente com pessoas que cruzam pelo caminho, proporcionando os diversos encontros aos quais o subtítulo se refere.

O resultado fascina pelo despojamento. Não um despojamento gratuito ou vazio, mas sim um salutar desprendimento de encarar o Cinema como ferramenta de registro da simplicidade sutil do acaso da vida, da riqueza de cada um daqueles seres humanos que se descobre a cada encontro. Sem se prender a normas, o cineasta se assume como personagem (inclusive nos próprios créditos finais), ao mesmo tempo conduzindo e se deixando conduzir por uma narrativa que se constrói, destrói e se reconstrói a cada fotograma (ou a cada pixel, pois já quase não existe mais fotograma). Assim como na vida, o filme busca uma coisa e encontra outra que pode ser até melhor do que a princípio se buscava, mas jamais saberemos. Spolidoro saboreia da liberdade de parar a filmagem para explicar o que acha necessário, de voltar seu próprio filme, de dividir com o espectador as diferenças do que foi imaginado para o que foi concretizado, Torna-se cúmplice da plateia que, com a mesma curiosidade da câmera que espia a tudo e a todos, embarca feliz nesta proposta de viagem que ninguém sabe até onde poderá ir.

Spolidoro chama sua proposta de “Cinema de um homem só”, e diz ter se inspirado em trabalhos da cineasta belga Agnés Varda. “Errante” é um sopro de frescor que ajuda a varrer a poeira dos sisudos arquivos burocráticos da nossa travada produção audiovisual.

Celso Sabadin viajou a Tiradentes a convite da organização do Festival.