TIRADENTES 2016: OS VENCEDORES E UM BALANÇO.

Na noite deste sábado (30/01),  o filme com o gigantesco título “Jovens Infelizes ou um Homem que Grita não é um Urso que Dança”, produção paulista de Thiago B. Mendonça, foi o grande vencedor do Troféu Barroco de melhor longa-metragem da Mostra Auror, na escolha do Júri da Crítica da 19ª Mostra de Cinema de Tiradentes. A produção acompanha um grupo de jovens numa São Paulo cheia de conflitos sociais e urbanos. “Ver esse trabalho sendo recebido da maneira como foi aqui, demonstra que a gente pode utilizar o cinema para as nossas lutas”, disse Thiago, no palco do Cine-Tenda. “Dedico este troféu ao Movimento Mães de Maio, que continuam na batalha diária lá em São Paulo”.

O Júri da Crítica também premiou um curta-metragem da Mostra Foco. O escolhido foi “Noite Escura de São Nunca” (RJ), de Samuel Lobo. “Acredito num cinema de invenção e de criação. Foi um privilégio exibir o filme aqui em Tiradentes, ainda mais tendo ganhado esse prêmio”, celebrou o cineasta, no agradecimento.

Por sua vez, o Júri Jovem – formado por cinco estudantes universitários entre 18 e 25 anos – avaliou os longas da Mostra Transições. O escolhido foi “Tropykaos” (BA), de Daniel Lisboa. “Eu não esperava ganhar, então não preparei nada para falar”, brincou o realizador, agradecendo parte da equipe de seu filme, que estava presente no Cine-Tenda.

Pelo Júri Popular, os vencedores foram o longa “Geraldinos” (RJ), de Pedro Asbeg e Renato Martins; e o curta “Madrepérola” (RS), de Deise Hauenstein.

O Prêmio Aquisição Canal Brasil foi para o curta-metragem “Eclipse Solar” (ES), de Rodrigo de Oliveira.

 

CONFIRA OS PRÊMIOS E VENCEDORES DA 19ª MOSTRA DE CINEMA DE TIRADENTES

 

Melhor curta pelo Júri Popular: “Madrepérola” (RS), de Deise Hauenstein

– Troféu Barroco

– R$ 5 mil em serviços de iluminação da Ciario

– 20 horas de mixagem do CTAV

– R$ 8 mil em serviços de finalização da Mistika

 

Melhor curta da Mostra Foco pelo Júri da Crítica: “Noite Escura de São Nunca” (RJ), de Samuel Lobo

– Troféu Barroco

– R$ 5 mil em serviços de iluminação da Ciario, acessórios e maquinários

– Empréstimo de câmeras do CTAV

– Duas diárias de correção de cor e master DCP para até 20 minutos da Dot Cine.

 

Melhor curta pelo Canal Brasil: “Eclipse Solar” (ES), de Rodrigo de Oliveira

– R$ 15 mil do Canal Brasil

 

Melhor longa da Mostra Transições pelo Júri Jovem: “Tropykaos” (BA), de Daniel Lisboa

– Troféu Barroco

– R$ 8 mil em iluminação, acessórios e maquinário da Ciario

– R$ 10 mil em pós-produção da Cinecolor

– R$ 15 mil em pós-produção da 02 Pós

 

Melhor longa da Mostra Aurora pelo Júri da Crítica: “Jovens Infelizes ou um Homem que Grita não é um Urso que Dança” (SP), de Thiago B. Mendonça

– Troféu Barroco

– R$ 8 mil em iluminação, acessórios e maquinário da Ciario

– R$ 10 mil em pós-produção da Cinecolor

– R$ 15 mil em pós-produção da 02 Pós

– Master DCP para longa até 120 minutos da Dotcine

 

Melhor longa pelo Júri Popular: “Geraldinos” (RJ), de Pedro Asbeg e Renato Martins

– Troféu Barroco

– R$ 30 mil em finalização da Mistika

 

Dentro de sua marcante tradição de usar palavras e expressões empoladas e modernosas para se expressar, a Mostra de Tiradentes elegeu, “o espaço como inevitabilidade do cinema” a premissa essencial para as discussões levantadas pela curadoria. Relacionando a atual situação brasileira de crise financeira e política, as possibilidades de um cinema independente caracterizado pela inventividade de novas formas e a pluralidade de linguagens e geografias percebidos na tela, a Mostra ofereceu um amplo panorama. Destacaram-se diálogos que posicionaram as questões em sentidos urgentes, fazendo jus à proposição de que “é preciso haver forças em oposição, contrastantes e até não conciliáveis para, em uma narrativa, os personagens se moverem”, segundo palavras do curador, Cléber Eduardo.

O tema da Mostra foi o dos Espaços em Conflito no Cinema Brasileiro Contemporâneo, refletido nos seminários e em boa parte das produções audiovisuais exibidas na programação. “Não podemos ignorar que as formas de representação dos espaços, em quaisquer épocas, não são operações apenas narrativas, mas também e especialmente políticas”, destacou Cléber. Para o pesquisdor Hernani Heffner, a efervescência atual das questões mais presentes na pauta midiática trouxe complicações a quem se aventura a fazer um filme: “O diretor muitas vezes se torna um cronista do problema, muito mais do que alguém que achará a solução. A posição do realizador é complicada, porque ele precisa ir atrás de qual conflito filmar e como fará isso, e nem sempre está tudo muito claro”.

Durante um dos debates, Ismail Xavier, professor e crítico, afirmou que a pauta do mundo, hoje, é marcada pela não concretização dos ideais da Revolução Francesa de igualdade, liberdade e fraternidade. “Os filmes que lidam com espaços urbanos e de maior notoriedade estão naquele exemplo clássico da relação entre favela e asfalto, na ideia dos bolsões, dos territórios onde a ordem de relações de poder não são aquelas de um estado republicano”, disse Ismail. Maria Augusta Ramos, diretora de “Futuro Junho”, destacou que todo o seu cinema é pautado pelo espaço e pelas relações das pessoas nesses espaços: “Sem eles, a relação que ela estabelece com aquilo que quero filmar nem sequer existiria”.

A amenização do confronto em filmes recentes também foi discutida durante a Mostra, a partir de um recorte feito pela curadoria que tem o ano de 2005 como marco, em títulos “de espaço mais enfatizado como dramaturgia para registros afetivos e negociados no percurso dos personagens”. Exemplos são “Cinema, Aspirinas e Urubus” (2005), “O Céu de Suely” (2006) e “Cão sem Dono” (2007), entre outros, reverberando em filmes que inserem o confronto, mas não o apresentam na tela, como “O Som ao Redor” (2013) e “Para Minha Amada Morta” (2015). “Alguma coisa se alterou nesse período de dez anos, independente da qualidade dos filmes. Se antes nossos blockbusters eram filmes como ‘Cidade de Deus’ e ‘Tropa de Elite’, agora são as comédias derivadas da televisão”, disse Cléber Eduardo.

Para João Luiz Vieira, professor na UFF (Niterói – RJ), um filme como “Banco Imobiliário”, exibido na Mostra Aurora deste ano, propõe outro tipo de combate e de abordagem, ao se aproximar amigavelmente das figuras que pretende documentar sem deixar de reconhecer seus papéis de opressão e poderio dentro da sociedade. O diretor do longa, Miguel Antunes Ramos, identifica, de fato, a intenção de olhar o processo sem estigmatizá-lo: “O filme surgiu na ideia de se materializar o que seria a construção imobiliária através da linguagem”.

NO COMBATE

Na programação da Mostra, vários foram os títulos que propuseram formas de enfrentamento, fosse pelo olhar direto a determinada situação, fosse por possibilidades renovadas de registro. Alguns realizadores vão para a rua, como Maria Augusta Ramos em “Futuro Junho”; outros se relacionam com seus espaços de vivência (e sobrevivência), retirando dali potências até então desconhecidas, como Lincoln Péricles em “Filme de Aborto” e Daniel Lisboa em “Tropikaos”; e mais outros buscam na alteridade alguma chave de apreensão para a compreensão de um sentido amplo (e, muitas vezes, sabotado pela História) de comunidade, como se viu em “Índios Zoró – Antes, Agora e Depois?”, de Luiz Paulino dos Santos, “Taego Ãwa”, de Marcela Borela e Henrique Borela, “Aracati”, de Aline Portugal e Julia de Simone, e “Santo Daime – Império da Floresta”, de André Sampaio.

A Mostra ainda teve espaço para reflexões aprofundadas dos limites da criação, em filmes que transitaram por searas indefinidas e enigmáticas, como “Garoto”, de Julio Bressane, “O Espelho”, de Rodrigo Lima, e “Ralé”, de Helena Ignez, enquanto outros mergulharam nas contradições humanas e na violência das grandes cidades, em situações de tensão e medo como vistas em “Jonas”, de Lô Politi, e “Urutau”, de Bernardo Cancella Nabuco. Todos, em suas medidas, ofereceram formas distintas de retratarem os espaços em conflito.

Tais espaços ainda se fizeram representados no Cine-Teatro Sesi, numa série de Encontros com a Crítica, o Diretor e o Público permeados por intervenções relativas a representações de gênero, raça e classe social, mostrando que o espectador está atento ao que vem sendo discutido em instâncias para além da arte. Alguns debates chegaram a momentos de tensão entre os participantes, como o papo sobre “Jonas”, no qual a diretora, Lô Politi, foi interpelada pela maneira como filmou a protagonista sequestrado pelo personagem de Jesuíta Barbosa; ou nas mesas de “Banco Imobiliário” e “Filme de Aborto”, em que ideias sobre diferenças entre classes afloraram a partir das proposições de cada trabalho.

 

Num contexto como este, a importância do reconhecimento a Andrea Tonacci veio em momento perfeito, por se tratar de um artista referencial a toda esta geração e que já toca em vários destes temas há anos, em filmes imprescindíveis como “Bang Bang” (1970) e “Serras da Desordem” (2006). Este último, aliás, abriu a programação, ao completar dez anos desde sua pré-estreia no mesmo Cine-Tenda. “Um tributo como esse faz a gente pensar na responsabilidade do que faz, em como o trabalho da gente chega até onde nem esperávamos”, disse Tonacci.

 

Numa mesa de debate sobre sua obra, Tonacci contou de seu processo criativo, afirmando que está sempre em busca da imagem que lhe seja inédita. “Se eu penso numa imagem e identifico que ela já existe, então eu falhei e preciso recomeçar”, disse. “Viver um filme é viver uma experiência que é da tua condição humana, da sua vida, ela só faz sentido se você conhece esse sentimento”. Ao seu lado, a montadora e parceira, Cristina Amaral, completou: “Estar com ele é encontrar esses momentos de revelação, de quando o filme acontece”.

 

POLÍTICAS FORA DA TELA

Tiradentes também teve espaço para discussões sobre outros tipos de política – no caso, a da própria produção brasileira, com a presença de Pola Ribeiro, secretário do Audiovisual no Ministério da Cultura. Reconhecendo o quanto a crise tem afetado o setor, ainda assim ele apresentou projetos e garantiu que a pasta não vai parar com os compromissos acordados. “Foi preciso um redesenho da Secretaria a partir da perda de sua capacidade política. Hoje vivemos num país onde todos filmam, então era importante repensar tudo”.

 

Pola Ribeiro enumerou projetos como o Canal Cultura, Quero Ver Cultura (aplicativo de TV digital com conteúdo gratuito a 14 milhões de beneficiários do Bolsa Família), VOD Brasil (plataformas on line), Canal da Cidadania, Cine Mais Cultura e retomada do site da Programadora Brasil. “A recomposição da SAV se fixa no fortalecimento da articulação e da gestão compartilhada com o sistema do MinC e no desenvolvimento de relações e espaços para propiciar uma atuação em rede, mobilizando as estruturas governamentais e da sociedade civil organizada”, comentou.

 

A circulação de filmes brasileiros pelo mundo foi debatida numa mesa com curadores e programadores de festivais internacionais. Roger Koza, crítico da Argentina, assumiu sua incompreensão em não ver filmes como “Branco Sai Preto Fica”, “A Vizinhança do Tigre” e “Mais do que Eu Possa me Reconhecer” exibidos em eventos fora do país. “Isso só pode significar alguma falha de percepção e compreensão em relação à produção daqui”, lamentou.

 

Eduardo Valente, assessor internacional da Ancine, corroborou a visão de Koza com dados e informações sobre a maneira como alguns filmes são mal trabalhados em suas trajetórias por outros países, muitas vezes por ambições de produtores ou diretores que não se concretizam. “É bastante comum o realizador querer inscrever seu filme em todos os eventos, e existe a possibilidade de ele ser rejeitado em todos. Às vezes é melhor pensar nesse caminho pelo exterior de acordo com o perfil de cada festival e daquilo que interessa ao filme”.

Entre confrontos sem escombros, pulsação de ideias e provocações positivas por todos os lados, a 19ª Mostra de Cinema de Tiradentes cumpre o papel de incentivadora da discussão e da produção audiovisual brasileira, colocando em evidência o que de mais pertinente se tem feito e falado a partir da produção de imagens. A um ano de celebrar duas décadas ininterruptas, o evento continua espaço privilegiado a um movimento contínuo e perpétuo por caminhos de trilhas e conflitos sempre surpreendentes.

 

BALANÇO

Nove dias de programação, 117 filmes de 14 Estados, 57 sessões, 25 seminários, 10 oficinas, 495 convidados e 35 mil pessoas alcançadas pela força do cinema brasileiro. Estes são números que reafirmam a 19ª Mostra de Cinema de Tiradentes como uma das principais vitrines da produção audiovisual do País. Famosa pela pluralidade e diversidade, a Mostra se destaca no cenário do cinema contemporâneo e há tempos é referência para amantes e operários da sétima arte.

Seminários, debates, oficinas, exposições, lançamentos de livros e DVDs, teatro de rua, shows e performances audiovisuais convergiram continuamente com os objetivos principais do evento: formação, reflexão e a difusão do cinema brasileiro. Dentre os 117 filmes em pré-estreias nacionais e mundiais, foram apresentados 35 longas e 82 curtas-metragens em três espaços de exibição: Cine-Tenda, Cine BNDES na Praça, e Cine-Teatro Sesi.

Em março, a Mostra de Tiradentes chega a São Paulo, pelo quarto ano consecutivo, numa parceria com o Sesc São Paulo.