TIRADENTES QUER SABER: CINEMA SERVE PRA QUÊ?

por Celso Sabadin,de Tiradentes.

Existe a necessidade do cinema? Para que serve o cineasta? As perguntas podem parecer estranhas, principalmente se realizadas dentro de um festival de cinema. E mais principalmente ainda se formuladas por pessoas que trabalham e vivem do chamado “audiovisual” (“uma palavra que não significa absolutamente nada”, de acordo com um dos debatedores). Mas foram justamente estes, e muitos outros, os questionamentos do seminário “Qual o lugar do cinema?”, realizado como parte da programação das 18ª Mostra de Tiradentes.

Se a ordem do dia é questionar, Francis Vogner dos Reis, crítico, curador e coordenador da mesa, já abriu os  trabalhos colocando na berlinda o próprio conceito de audiovisual: “A própria palavra `audiovisual´ tende a homogeneizar todos os meios – TV, internet, mídias digitais – homogeneizando não só a própria noção de imagem em movimento como também os modos de produção destas imagens. Ela derruba as fronteiras de maneira brusca, sem levar em conta as matizes necessárias”, afirma.

Cleber Eduardo, professor, crítico de cinema e curador, vai mais longe: “Audiovisual é uma coisa parecida com ´arte contemporânea´ou ´artes visuais´; são expressões que não definem absolutamente nada”. Para Cleber, é preciso antes de mais nada separar bem os diferentes conceitos. “Considerando o Cinema como sendo aquela grande arte popular do século 20, na qual é necessário se submeter a uma relação de tempo que eu não controlo, e considerando que de alguns anos para cá a imagem vem se tornando cada vez mais interativa, e a relação com o tempo mudou, existe mesmo a necessidade do Cinema?”, pergunta o crítico e professor.

Obviamente a pergunta é muito mais uma provocação, e uma introdução para Cleber discorrer sobre os novos hábitos de toda uma população que não consegue mais se concentrar durante uma hora e meia diante de um único filme. Ou de um único “produto audiovisual”, como se convencionou falar. “O Cinema propõe uma imersão individual dentro de um ritual coletivo, onde se supõe o escuro e o silêncio, o que é cada vez mais difícil diante da necessidade cada vez maior que as pessoas têm de checar os e-mails no celular ou verificar se há alguma nova postagem no Facebook”, afirma.

Com bom humor, Cleber conta de sua experiência como professor: “Percebi que proibir celular na sala de aula causa incontinência urinária”, brinca.

Se a ideia era radicalizar e/ou polemizar sobre os diferentes conceitos de Cinema ou audiovisual, o cineasta Felipe Bragança já iniciou sua exposição com o chamado pé na porta: “O Cinema não acabou porque ele nunca existiu com objeto concreto e imaginário. Cinema é um delírio, uma lenda urbana que a gente gosta de acreditar. Mas eu gosto do delírio, eu gosto da utopia”.

Como não poderia deixar de acontecer numa Mostra de Tiradentes, logo o debate se direcionou para questões relativas ao chamado cinema autoral. Cleber contextualiza: “Pensando o Cinema como o mundo inteiro, o tamanho que cabe ao cinema de autor é o Uruguai, um país pequeno, mas que já foi duas vezes campeão mundial de futebol, que tem uma esquerda efetiva, e pelo qual eu tenho a maior admiração”.

Embarcando na metáfora geofutebolística, Bragança discordou com humor: “Eu gosto do Uruguai, mas quando ele vai pra cima, não quando fica na retranca. O Cinema precisa sair da retranca e atacar”, ao que Cleber retrucou: “Você pensa assim porque você é Flamengo e eu sou Botafogo, isso muda tudo…”. Preferências clubísticas a parte, Cleber defende o cinema autoral como “experiência cinematográfica generosa onde você se abre à sensibilidade da proposta do outro, o que pode ser excitante ou desesperador”.

Já Bragança lamenta, sob a forma de autocrítica,  a posição de autocomiseração em que a classe tem se colocado: “Nós, cineastas, estamos muito covardes, somos muito cagões, temos medo do mundo. O cineasta precisa se jogar no mundo. O Cinema não é um bibelô do século 20 que precisa ser protegido, por isso eu digo que o Cinema precisa atacar. Se não o sujeito assiste `Breaking Bad´ e sai falando que aquilo está revolucionando a linguagem do Cinema… pelo amor de Deus!”.  E conclui: “Não sei se ao proteger o cinema autoral dentro da máquina estatal você está realmente protegendo-o ou matando-o”.

Cleber defende a ideia que o importante hoje é que cada projeto seja pensado especificamente para a sua tela. Que as ideias sejam criadas e desenvolvidas levando em consideração as especificidades de cada meio, seja ele cinema, internet, televisão, vídeo on demand ou internet. “Fazer um projeto para todas as telas tem sido celebrado como se fosse positivo, mas quem faz para todas não faz para nenhuma: fica tudo uma grande maçaroca homogênea”, conclui.

Celso Sabadin viajou a Tiradentes a convite da organização do evento.