“TRALALA”, PORQUE A VIDA DESAFINA.

Por Celso Sabadin.

O gênero musical sempre traz polêmicas. Defensores ferrenhos do cinema como retrato da realidade (o que sabemos ser impossível) argumentam que fazer um personagem cantar suas falas estilhaça com qualquer tentativa de proporcionar alguma credibilidade à trama, além de desconcentrar o espectador, “tirando-o” do filme. Já os adeptos de um tipo de cinema mais simbólico e descolado de uma suposta verdade, não somente aceitam a linguagem cantada como parte da narrativa, como embarcam poeticamente em suas propostas.

Neste sentido, o drama romântico francês “Tralala” – estreia nos cinemas nesta quinta, 04/08 – se apresenta como uma espécie de sátira aos musicais. Explico: por um lado, a trama flerta abertamente como o melodrama, falando sobre um solitário músico andarilho que, na busca pela mulher pela qual se apaixonou, acaba sendo confundido com outra pessoa, desaparecida e tida como morta há 17 anos. Por outro lado, contudo, a linguagem musical apresentada nesta trama melodramática acaba proporcionando, num primeiro momento,  o riso. Propositalmente desengonçadas, as canções e as coreografias não se “encaixam”, causando estranhamento para os gostos mais acostumados ao musical clássico, principalmente àquele desenvolvido no cinema dos EUA.

Passado o primeiro estranhamento, tal atonicidade, se assimilada, transforma seus ruídos em questionamentos dos limites entre realidade e encenações. Da mesma forma que o protagonista aceita assumir o papel do suposto personagem desaparecido, e encena desconjuntadamente os passos que dele se esperam, a metalinguagem proposta pelo longa igualmente mostra atores e atrizes encenando – também desconjuntadamente – canções e coreografias que a princípio são dissonantes.

Tal dissonância do filme conversa com a discrepância da vida para nos mostrar que a realidade não é aquele musical perfeito que nos acostumamos a ver no cinema. Pelo contrário: a vida, invariavelmente, desafina.

“Tralala” tem como maior destaque a presença do sempre ótimo Mathieu Almaric (de “O Escafandro e a Borboleta” e tantos outros) no papel principal. Ao seu lado, um forte elenco de apoio formado por Mélanie Thierry, Josiane Balasko e Maïwenn Besco, entre outros, enriquecem o longa.

A direção e o roteiro são dos irmãos Arnaud e Jean-Marie Larrieu, realizadores também de “Amor é um Crime Perfeito” e “Pintar ou Fazer Amor”. Eles nasceram na cidade de Lourdes – principal locação do filme – famosa pela exploração turístico-religiosa-comercial que faz sobre uma suposta aparição da Virgem Maria por ali. O que torna “Tralala” ainda mais irônico.