VERSÁTIL LANÇA “SERPICO”, MARCA DE UMA ÉPOCA EM QUE HOLLYWOOD TENTAVA SER ADULTA.

Por Celso Sabadin.

Anos 70. A Guerra do Vietnã e outros mandos e desmandos da política dos Estados Unidos causa na sociedade daquele país uma espécie de “choque de realidade”. Aos poucos, a ilusão de “nação mais democrática do mundo” começa a desabar, e o norte-americano perde um bom pedaço de sua ingênua fé patriótica. Comandado por uma nova geração pós-falência dos grandes estúdios, o cinema dos EUA acompanha este novo pensamento, e passa a produzir filmes de temáticas antes pouco bem-vindas. A corrupção é uma destas temáticas. E um dos pioneiros a retratar o tema de forma realista e contundente foi  “Serpico”, agora lançado em DVD pela Versátil, em edição especial de dois discos, repleta de extras.

Corrupção policial, hoje, é assunto corriqueiro, mas quando “Serpico” foi lançado, em dezembro de 1973, o impacto foi grande, alcançando uma repercussão e um sucesso comercial que surpreenderam até Sidney Lumet, o diretor do filme. A história real do policial Frank Serpico, que lutou solitariamente contra um gigantesco esquema de corrupção na polícia de Nova York, ganhou força e corpo com o livro de Peter Maas, que foi roteirizado por Norman Wexler (de “Os Embalos de Sábado à Noite”) e Waldo Salt (“Perdidos na Noite”), e dirigido por Lumet, que dois anos depois faria outro grande filme com Pacino: “Dia de Cão”.

Na embalagem dupla há um disco só de extras, onde ficamos sabendo daquelas deliciosas curiosidades de bastidores que os cinéfilos amam. Por exemplo, que o filme foi rodado em ordem inversa à cronologia real do personagem, para que não fosse necessário colocar barbas e bigodes falsos em Al Pacino. Assim, as cenas onde Serpico está mais velho, de barba, foram feitas primeiro, com a barba natural do ator. Depois foram rodadas as sequências onde ele mantém o bigode e, finalmente, as de cara limpa, que são justamente as do personagem mais jovem. “Nada pior que o público perceber uma barba falsa”, diz Sidney Lumet num dos extras.

É Lumet também quem conta que gostaria de ter feito o filme sem nenhuma trilha musical, ideia totalmente descartada pelo produtor Dino de Laurentiis. “Ele é italiano, você sabe, adora música”, diz Lumet. Com ares de vitória, o diretor explica que conseguiu, pelo menos, que “Serpico”, tivesse apenas 14 minutos de música.  “Se dependesse de Laurentiis seriam duas horas”, ri.

Mas não há apenas curiosidades divertidas nos extras. Há uma entrevista de Lumet, realizada em 2005, onde ela traça um breve mas fascinante panorama da construção histórica da sociedade novaiorquina. E uma crítica do produtor Martin Bregman ao cinema atual: “Naquela época – diz ele, referindo-se aos anos 70 – o filme era mais importante que o ator. Não havia esta tensão de fazer sucesso na primeira semana. O importante era a história, o filme”.  Lumet conta também como o verdadeiro Frank Serpico ficou magoado com a produção do filme ao ser informado que não poderia assistir às filmagens, pois isso comprometeria a desenvoltura de Pacino. “Ele pensou que iria se tornar o maior amigo de Al Pacino, que seria meu melhor amigo também. Mas faz parte da crueldade do cinema; ele era apenas instrumento de pesquisa para nós”, conclui. Infelizmente não há depoimentos nem de Serpico nem de Pacino nos extras.

Filmado, montado, finalizado e lançado em apenas cinco meses, Serpico foi indicado aos prêmios Oscar de ator para Pacino (perdeu para Jack Lemmon em “Sonhos do Passado”) e roteiro (perdeu para “O Exorcista”). Pacino levou o Globo de Ouro e o David di Donatello (da Itália) para melhor ator em filme estrangeiro.

“Serpico” foi um dos últimos representantes de uma era na qual o cinema americano buscava abandonar seu complexo de Peter Pan, visando temas e públicos mais sérios e mais adultos. Dois anos depois, “Tubarão” inauguraria a era dos blockbusters, e a sua insuportável pressão de fazer sucesso na primeira semana, como comentou Martin Bregman. E o cinema passou a ser a arte mais apressadamente comercial do mundo, com trágicas consequências para quem acredita que o filme é mais importante que a pipoca.