EM DVD, DOIS LONGAS ICÔNICOS DE D.W. GRIFFITH.

Por Celso Sabadin.

O selo Obras-Primas do Cinema está lançando “D.W. Griffith”, uma embalagem especial contendo dois DVDs reunindo dois  das maiores, mais ambiciosos e mais polêmicos clássicos da era muda do cinema: “O Nascimento de uma Nação (1915)” e “Intolerância (1916)”. Dirigidos por Griffith, os filmes chegam ao mercado em versões remasterizadas e mais de 40 minutos de extras.

Antes de encontrar seu caminho como cineasta, David Wark Griffith, nascido em 1875, foi vendedor de enciclopédias, mineiro, operário de uma serraria, ator de teatro e escritor de poesias, contos e peças, sempre com pouco sucesso. Na tentativa de entrar para o cinema, conheceu Edwin S. Porter, na época já famoso por seu filme The Great Train Robbery. Porter recusou a ideia de Griffith de realizar um filme baseado na ópera Tosca, mas em contrapartida lhe ofereceu um papel em Rescued From an Eagle’s Nest. Griffith aceitou a proposta e estreou nas telas, em 1907, como ator. Porém, suas pretensões dentro do cinema eram maiores, e ele logo procurou a Biograph – um dos estúdios pioneiros da indústria cinematográfica dos EUA – na intenção de vender roteiros para filmes. Conseguiu. Roteirista, ator, assistente de produtor, montador, aos poucos Griffith ia se envolvendo em todas as etapas do processo fílmico, dentro da Biograph, até chegar a oportunidade de dirigir seu primeiro filme, The Adventures of Dollie, lançado em julho de 1908. Daquela data até setembro de 1913, o ex-vendedor de enciclopédias do Kentucky dirigiu aproximadamente 450 filmes curtos, a maioria de apenas um rolo, além de supervisionar a produção de centenas de outros, num ritmo frenético. Mais que quantidade, seus filmes já demonstravam o talento daquele que seria um dos mais importantes cineastas da história. Sua produção já se mostra rica no domínio da linguagem cinematográfica, com mudanças nos ângulos das câmeras, ações paralelas, iluminação dramática, ritmo de edição, closes e outros recursos que – se não foram exatamente inventados por Griffith – nele encontraram um grande realizador.

Além disso, ele ensaiava seus atores de maneira diferenciada, tentando extrair deles interpretações menos teatrais que as utilizadas até então, sempre buscando maior naturalidade e espontaneidade das ações. Griffith também foi um dos pioneiros na ideia de aproveitar o sol da Califórnia e para lá transportar suas câmeras, durante o inverno, evitando desta maneira interrupções na produção. Assim, ele foi um dos responsáveis diretos pela criação e mitificação de Hollywood. Quanto mais seu talento despontava, mais o público procurava seus filmes, e mais a Biograph se enriquecia. Com projetos ambiciosos, Griffith queria dirigir longas-metragens, contar histórias maiores, com maior número de personagens, cenários e locações. A Biograph era contrária à ideia dos longas, pois afinal ainda não se sabia se o público realmente se interessaria em permanecer durante muito tempo vendo filmes numa sala escura. Sem possibilidade de acordo, Griffith abandonou a empresa em outubro de 1913, quando assinou contrato com a Mutual. Seus grandes filmes ainda estavam por vir.

Em 1915, Griffith realiza um dos primeiros grandes clássicos do cinema norte-americano e mundial: O Nascimento de uma Nação. Filho de um oficial Confederado, Griffith era apaixonado pelos temas relacionados à Guerra Civil Americana, e entusiasmou-se com o texto racista do romance e da peça de teatro The Clansman, de Thomas W. Dixon. Em sua adaptação cinematográfica, Griffith dá um tom épico ao romance, valoriza as cenas de guerra, trata os negros escravos como vilões e glorifica a Ku Klux Klan. São investidos 120 mil dólares no projeto, sendo metade para a produção e metade para a divulgação, embora mais tarde fosse alardeado, para gerar publicidade, que o filme teria custado mais de um milhão de dólares. O resultado é um épico de duas horas e meia com qualidade jamais vista até então nos EUA. Os ingressos para o filme sobem ao inédito patamar de 2 dólares.

De técnica apurada, linguagem inovadora e conteúdo racista, O Nascimento de uma Nação marca época e gera polêmica. O sucesso nas bilheterias incentiva a Mutual a produzir um novo projeto de Griffith: Intolerância. Para responder a quem o criticou, Griffith realiza outra superprodução, desta vez tendo como tema a intolerância humana no decorrer dos séculos. Abrangendo um período de quase três mil anos de História, o faraônico projeto demanda o cenário de uma cidade babilônica de mil metros de comprimento e 90 metros de altura, filmagens em balão, milhares de extras e outras excentricidades que teriam custado – os números são imprecisos – algo em torno de 2,5 milhões de dólares. Lançado em 1916, Intolerância, mostra–se de difícil compreensão para as plateias da época, e a bilheteria é desastrosa. O fracasso compromete a carreira de Griffith, que deixa a empresa e se tornaa, em 1919, sócio de Charles Chaplin, Douglas Fairbanks e Mary Pickford na lendária United Artists, empresa criada para facilitar a distribuição de filmes mais artísticos e menos comerciais.

Griffith dirige e produz mais de 20 filmes até 1940, ano em que encerra sua carreira, mas nunca nada com a força e o impacto de O Nascimento de uma Nação e Intolerância. Morre em 1948, aos 73 anos.