“EDU, CORAÇÃO DE OURO” E OS LIBERTÁRIOS ANOS 60.
Por Celso Sabadin.
Que delícia rever, depois de tantos anos, a comédia-dramático-romântica-existencialista-carioca “Edu, Coração de Ouro”, escrita e roteirizada por Domingos de Oliveira, em 1968, a partir de um argumento de Eduardo Prado.
Que delícia apreciar uma obra libertária, livremente dirigida, produzida numa época em que ainda não existiam os famosos “laboratórios de roteiro” que tentam engessar a criatividade audiovisual em caixinhas limitadoras cheias de fórmulas com promessas de prêmios em festivais ou bilheterias polpudas.
O Edu do título é o sempre ótimo Paulo José – na época, com 31 anos – interpretando um jovem que, aos 27 anos, não leva nada a sério. Livre, leve e solto, ele flana pela zona sul do Rio de Janeiro planejando festas, brincando e dançando, enrolando a noiva, vivendo com os pais, encontrando amigos, conhecendo desconhecidos, ou simplesmente vivendo intensamente.
Esteticamente, o filme segue seu personagem, descontruindo parâmetros. A câmera passeia pelo Rio sem “film comission”, sem a menor preocupação de estar chamando a atenção e atraindo os olhares curiosos dos passantes, em movimentos de puros realismo e simplicidade certamente inspirados por Godard e o seu “Acossado”, realizado oito anos antes.
Coerentemente, a montagem fragmentada não só assume seus “erros” como os transforma em linguagem. Até o nome do diretor sai “errado” nos créditos iniciais como Domingos Oliveira, sem o “de”. E evidentemente grafo a palavra “errado” entre aspas, pois “Edu, Coração de Ouro” é um manifesto à liberdade que veste o conceito de “é proibido proibir” daqueles fervilhantes anos 60.
Ainda não cheguei a pesquisar, mas provavelmente “Edu, Coração de Ouro” deve ter atraído a ira de muita gente que, na época, não admitia que um filme brasileiro pudesse não abordar questões políticas antiditadura. Compreendo, mas por outro lado também seria um erro classificar o longa como “alienado”. Longe disso: Oliveira utiliza o humor e a irreverência como armas que peitam a truculência do período, propondo aqui uma verdadeira ode à tal alegria de viver que havíamos perdido quatro anos atras e que – pior – perderíamos ainda mais nos últimos dias daquele mesmo 1968, com a assinatura do famigerado AI 5.
Fico só imaginando os narizes torcidos das senhoras que marcharam “com Deus pela liberdade” ao assistirem a personagem de Leila Diniz dizendo que dormia com todos os homens que quisessem, e como todos que ela quisesse. Mas apenas uma vez com cada um deles.
Destaque também para Edu, perambulando pelos telhados cariocas, segurando um estandarte, usando um chapéu tipicamente nordestino, calçando chinelo em um pé e coturno no outro, dizendo estar “fantasiado de Deus e o Diabo na Terra do Sol”. Genial.
Tudo isso sem citar o desfile de participações especialíssimas, que incluem Joana Fomm, Maria Gladys, Dina Sfat, Norma Bengell, Ziembinski e Carlos Alberto Dolabella.
A nota triste fica por conta de Amilton Fernandes, que viria a falecer prematuramente naquele mesmo 1968, vitimado por um acidente automobilístico. Ironicamente, ele interpreta Castor, uma espécie de contraponto ao protagonista Edu, vivendo um personagem atormentado pela depressão.
O filme está disponível gratuitamente, em cópia razoável, em https://www.youtube.com/watch?v=7eKV-CROot4

