“KOBRA AUTO RETRATO” PINTA O MUNDO COM CORES FORTES.

Por Celso Sabadin.

Você pode até não saber quem é Eduardo Kobra, mas certamente já viu uma de suas obras espalhadas por aí. Afinal, são mais de 3.000 murais pintados em aproximadamente 35 países e em diversas cidades e estados brasileiros.

O registro documental cinematográfico sobre a vida e a obra deste artista estreia esta semana (17/11) pelas mãos de outra grande artista: a cineasta Lina Chamie, roteirista e diretora do longa “Kobra Auto Retrato”. A química entre o cinebiografado e a cinebiógrafa ficou ótima!

“Kobra Auto Retrato” cumpre com muita qualidade a difícil tarefa de conciliar as informações que se esperam de uma eficiente documentação audiovisual com a necessária criatividade narrativa que a linguagem cinematográfica também exige.

Para tal, a diretora/roteirista propõe – no mínimo – três viagens narrativas empreendidas pelo biografado: uma de bicicleta, que revisita suas obras; outra de montanha russa, referência a marcantes episódios de sua vida; e o clássico depoimento pessoal, sempre muito lúcido e corajoso.

São tantos os caminhos percorridos que o roteiro opta – sabiamente, por sinal – a não captar depoimentos que não sejam os do próprio Kobra.

O resultado é um documentário que realmente documenta (parece apenas um jogo de palavras, mas muitos não o fazem) e que não cai na armadilha do “googlomentário”, ou seja, o documentário cinematograficamente frio que nada traz além daquilo que já está na internet.

De Lina Chamie – que nos brindou com preciosidades como Santos 100 Anos de Futebol Arte” (2012) e “São Silvestre” (2013), entre outros, não se esperava mesmo outra coisa a não ser muita criatividade e qualidade.

Selecionado para 13º Festival de Documentários de Nova York, “Kobra Auto Retrato”, por enquanto, só está disponível nos cinemas.

Saiba mais sobre o artista:

Eduardo Kobra, 47 anos, é um expoente da neo-vanguarda paulistana. Começou como pichador, tornou-se grafiteiro e hoje se define como muralista. Seu talento brota por volta de 1987, no bairro do Campo Limpo com o pixo e o graffiti, caros ao movimento Hip Hop, e se espalha pela cidade e pelo mundo. Com os desdobramentos que a arte urbana ganhou em São Paulo, ele derivou – com o Studio Kobra, criado em 95 – para um muralismo original – inspirado em muitos artistas, especialmente os pintores mexicanos e norte-americanos, beneficiando-se das características de artista experimentador, bom desenhista e hábil pintor realista. Suas criações são ricas em detalhes, que mesclam realidade e um certo “transformismo” grafiteiro.

Muitos críticos afirmam que a característica mais marcante de Kobra é o domínio do desenho e das cores. Mas o que é fundamental para o artista é o olhar. Kobra foi desde cedo apresentado às adversidades da vida. Viu amigos sucumbirem às drogas e à criminalidade. Alguns foram presos. Outros perderam a vida. Foi o olhar que o salvou.

Kobra é autor de projetos como “Muro das Memórias”, em que busca transformar a paisagem urbana através da arte e resgatar a memória da cidade; Greenpincel, onde mostra (ou denuncia) imagens fortes de matança de animais e destruição da natureza; e “Olhares da Paz”, onde pinta figuras icônicas que se destacaram na temática da paz e na produção artística, como Nelson Mandela, Anne Frank, Madre Teresa de Calcutá, Dalai Lama, Mahatma Gandhi, Martin Luther King, John Lennon, Malala Yousafzai, Maya Plisetskaya, Salvador Dali e Frida Kahlo. Em meio ao caos urbano, buscou resgatar o patrimônio histórico que se perdeu. Em um contexto repleto de desigualdade social e injustiças, buscou se inspirar em personagens e cenas que servem de exemplo para um mundo melhor.

Hoje, Kobra tem 3.000 murais, em cerca de 35 países e em diversas cidades e estados brasileiros — como “Etnias — Todos Somos Um”, no Rio de Janeiro, “Oscar Niemeyer”, em São Paulo; “The Times They Are A-Changin” (sobre Bob Dylan), em Minneapolis; “Let me be Myself” (sobre Anne Frank), em Amsterdã; “A Bailarina” (Maya Plisetskaia), em Moscou; “Fight For Street Art” Basquiat e Andy Warhol), em Nova York; e “David”, nas montanhas de Carrara. Em todos os trabalhos, o artista busca democratizar a arte e transformar as ruas, avenidas, estradas e até montanhas em galerias a céu aberto. Dois desses murais entraram no Guinness Word Record como o “maior mural do mundo”. Primeiro “Etnias — Todos Somos Um”, no Rio de Janeiro, com cerca de 3.000 metros quadrados e, depois, o “Mural do Chocolate”, localizado na rodovia Castelo Branco, em Itapevi, em São Paulo, com 5.742 metros quadrados.

Inquieto, estudioso e autodidata, também faz pesquisas com materiais reciclados e novas tecnologias, como a pintura em 3D sobre pavimentos. Em 2018, pintou 20 murais nos Estados Unidos, 18 deles em Nova York.

Cada vez mais conhecido, Kobra fica, é claro, orgulhoso quando vê uma multidão que observa um de seus murais, mas costuma dizer que o que o comove de verdade é descobrir alguém que para no meio da correria da cidade para observar, mesmo que por um minuto, os detalhes dessa obra. Apesar dos murais monumentais, Eduardo Kobra faz sua arte para despertar a consciência e a sensibilidade de cada um de nós.