“SNIPER AMERICANO” NÃO TEM NADA DE PATRIOTADA. MUITO PELO CONTRÁRIO.

Por Celso Sabadin.

Pelo menos sob meu ponto de vista, não procedem as críticas feitas contra Clint Eastwood que ele teria cometido um filme bélico, patrioteiro, e apologético às armas em seu “Sniper Americano”.

Vai ficar muito difícil explicar porque eu acho isso, sem dar spoiler, então, lá vai a advertência: só leia este texto se você já viu o filme. Caso contrário, não o faça. Vou até deixar uma linha em branco antes de começar a dar os spoilers.

 

Acredito que esteja havendo uma confusão de interpretações em relação ao filme. “Sniper Americano” tem como protagonista um personagem verídico, Chris Kyle, vivido por Bradley Cooper. Rapaz simplório vindo do interior do Texas, Kyle era peão de rodeio, queria ser cowboy, e já meio tardiamente, aos 30 anos de idade, se alista nos Seals norte-americanos, motivado pela onda nacionalista provocada pelos atentados contra as embaixadas estadunidenses no Quênia e na Tanzânia, em 1998. Em sua ingenuidade, ele acredita, sim, que os EUA são o baluarte da liberdade do mundo, e que as intervenções militares são justas e necessárias. Quando chega o fatídico 11 de setembro de 2001, o patriotismo de Kyle atinge níveis insuportáveis, e o rapaz vai combater no Iraque com gosto e com vontade.

É preciso deixar claro que a ingenuidade, a ignorância e o fascínio pelas armas são atribuições do personagem, não do filme. Kyle representa uma maneira de pensar, um patriotismo exacerbado muito típicos de boa parcela da população dos Estados Unidos, o que não significa que o filme corrobore com isso. Muito pelo contrário: trata-se de um personagem triste, sofrido, eternamente amargurado, que faz sofrer os que estão à sua volta, que não se encaixa na sociedade, não se adapta e, pior, no final das contas é bestamente assassinado por um companheiro de exército igualmente sofrido e mentalmente perturbado.

Me parece muito claro que, através deste personagem, Clint constrói em “Sniper Americano” um libelo pela paz, uma denúncia contra a imbecilidade de todas as guerras. Para que o filme possa ser considerado belicista, seria fundamental que a plateia se identificasse positivamente com seu protagonista, o que, convenhamos, parece muito difícil de acontecer. Kyle é uma  vítima da comoção nacionalista que a mídia norte-americana causa em seus cidadãos para que a guerra seja popularmente aplaudida e que consiga assim cada vez mais liberação de verbas por parte de seus governantes.

Neste sentido, uma cena de fundamental importância define bem o filme: o encontro, no campo de batalha, entre Kyle e seu irmão mais novo. Ao ver o caçula, Kyle o abraça com carinho e diz ter orgulho dele. O rapaz, por outro lado, desolado, lhe diz algo como  “Você sempre foi meu ídolo , eu sempre tive orgulho de você, mas dane-se tudo isso, dane-se…”. Ao exercer seu patético patriotismo, Kyle perde tudo: a companhia da esposa que sempre o idolatrou, o orgulho do irmão, a vida que teria com os filhos, a sanidade mental, a vontade de voltar para casa (é forte o momento em que ele volta da guerra mas prefere ficar bebendo sozinho num bar ao invés de retornar para a esposa que o espera há meses) e, por fim, a própria vida.

Kyle é o protótipo do fracasso e da vida desperdiçada por um ideal que não existe. Kyle é o sonho americano transformado em pesadelo. Seria este o herói de um filme belicista? Acredito firmemente que não.