BAGÉ: O CINEMA DO CHARQUE, DO HORIZONTE, DA FRONTEIRA E DO JOELHAÇO.
Qualquer dia que rolar um tempinho, vou colocar no papel os Festivais de Cinema que já conheci pelo Brasil. A quantidade não é importante. O que importa mesmo é constatar, em cada canto do país, o poder de mobilização desta coisa chamada Cinema.
Cheguei ontem (25) no começo da noite aqui na cidade de Bagé, extremo sul do país, para conhecer o Festival Internacional de Cinema da Fronteira, já em sua quinta edição. Bagé fica a praticamente 5 horas de Porto Alegre, de carro, por uma estrada das mais agradáveis. Ainda não deu para tomar pé da situação do evento, mas mesmo assim este Festival já provoca várias reflexões.
Primeiro porque sua sessão de abertura foi realizada no chamado Centro Histórico Santa Thereza (na foto, o cinema ao lado da capela histórica), que era um antigo charqueado que está sendo aos poucos devidamente restaurado e transformado em polo cultural. Me explicam por aqui que charqueado, no sul, equivale mais ou menos à carne seca nordestina, com a diferença que no sul a carne é desidratada pelo sal, e no nordeste isso acontece pela ação do sol. Ou seja, onde antes se secava a carne, agora se faz cinema e cultura. E o que é fazer cinema senão botar a carne pra secar, o pulso pra pulsar, a cara pra bater?
Também chama a atenção por aqui a espantosa imensidão dos horizontes. Estamos nos pampas gaúchos, onde tudo é plano, a vista alcança distâncias inimagináveis na cidade grande, e o mundo parece não ter fim. E o que é fazer cinema senão alargar os horizontes, aguçar as vistas e não permitir que nada interrompa o nosso olhar?
Um terceiro ponto: estamos há apenas 50 quilômetros do Uruguai. Um senhor carioca de nascimento e gaúcho por opção me conta que por aqui, historicamente, a fronteira sempre foi “elástica”, ou seja, gigantescos pedaços de terra poderiam pertencer ao Brasil, ao Uruguai ou mesmo à Argentina, dependendo apenas da situação política ou da movimentação das tropas. Uma região de campanha, como se fala, onde os sotaques se sobrepõem e os costumes se misturam. E o que é fazer cinema senão desafiar fronteiras, misturar culturas e de tudo isso extrair a verdadeira essência da vida?
E, por fim, vale lembrar que estamos em Bagé, terra de um dos mais emblemáticos personagens brasileiros, criação imortal de Luís Fernando Veríssimo: o Analista de Bagé. E o que é fazer cinema senão se submeter diariamente à questionável porém eficiente “terapia do joelhaço”, tão brilhantemente difundida por este inesquecível analista?
Sem dúvida, esta fronteira dá o que pensar…
Celso Sabadin viajou a Bagé a convite da produção do evento.