FESTIVAL DE CINEMA FANTÁSTICO DE SITGES CONSAGRA BACURAU.

Por João Moris, de Sitges, especial para o Planeta Tela.

Terminou neste domingo (13/10) 52º Festival de Cinema Fantástico de Sitges na Catalunha, um dos mais prestigiados festivais de gênero do mundo. Foram 11 dias intensos e 171 filmes distribuídos em várias seções (Oficial Fantàstic Competició, Panorama Fantàstic, Órbita, Noves Visions, Sitges Classics e Midnight X-Treme). Embora seja um festival que busca diversidade dentro do gênero fantástico, os filmes de terror gráfico e de zumbis ainda são os mais privilegiados.

Por isso mesmo, é de uma certa forma surpreendente que Bacurau tenha arrebatado dois prêmios importantes (o de melhores diretores pelo júri e o de melhor filme pela crítica). O filme de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles passou em apenas duas sessões num único dia e, na sessão em que eu estava, a plateia de aproximadamente 1.200 pessoas acompanhou Bacurau com a euforia e a vibração peculiar do público do Festival de Sitges, ou seja, aplaudindo entusiasticamente as cenas em que os americanos iam caindo um a um no desfecho do filme. Mais aplausos quando os créditos subiram. Como mencionei no meu artigo anterior www.planetatela.com.br/noticia/sitges-um-festival-literalmente-fantastico/, a plateia de Sitges é única no universo dos festivais e tem uma energia contagiante.

O grande vencedor do Festival de Sitges 2019 foi a produção basco-catalã El Hoyo, do diretor basco Galder Gaztelu-Urrutia. Ganhou o prêmio de melhor filme do júri e do público, que se encantou com o filme de estreia do diretor. El Hoyo (em tradução livre “A Plataforma”) mostra um futuro distópico e violento em que as pessoas são presas em celas verticais, onde os que conseguem galgar as celas de cima são alimentados primeiro, deixando os que estão na celas inferiores famintos, raivosos e enlouquecidos. JAPÃO  8,0

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O espanhol El Hoyo foi o grande vencedor do Festival de Sitges 2019.
O cinema latino, e o latino-americano em especial, tem sido prolífico em produzir filmes de terror como metáfora dos horrores sociais e políticos que afligem suas sociedades. E, por isto mesmo, são meus tipos favoritos dentro do universo fantástico. Apenas no início de outubro, foram lançados cinco filmes brasileiros do gênero no circuito comercial de São Paulo.

No Festival de Sitges deste ano, o cinema latino-americano estava subrepresentado. O único filme brasileiro foi Bacurau, e houve poucos e honrosos representantes da América Latina, como a ótima e potente produção uruguaia En El Pozo, dos irmãos Bernardo e Rafael Antonaccio. O filme conta a história de 4 jovens (3 homens e 1 mulher, namorada de um deles) que vão passar um fim de semana numa pedreira abandonada onde existe um lago. O passeio, a princípio descontraído, se torna uma espiral de ciúme e desconfiança entre os homens, que desemboca em tragédia. Um filme sobre machismo, possessão e conflito de classes, tão típicos da cultura latino-americana. Já o filme argentino 4×4, de Mariano Cohn, conta uma história bem original de um jovem ladrão de automóveis, que ao entrar numa SUV para roubá-la, descobre que o dono armou uma cilada para prendê-lo dentro do carro, sem chances de sair e sem contato possível com o mundo exterior. O diretor é hábil ao criar um universo onde ficam expostas as mazelas sociais das grandes cidades latino-americanas (fosso entre ricos e pobres, insegurança, justiça com as próprias mãos, circulação de armas etc). Mais um grande filme dos hermanos argentinos e sem o Darín como protagonista! Tomara que entre no circuito brasileiro. O México foi muito bem representado no festival, como sempre com um filme que mostra os horrores das máfias que fazem parte do cotidiano das populações rurais mexicanas. Huachicolero (em tradução livre, “Ladrão de Gasolina”), de Edgar Nito, conta a história de um jovem estudante de 14 anos, que mora com a mãe e ocasionalmente ajuda uma gangue a roubar gasolina. Ao se apaixonar por uma colega de classe, ele entra fundo no crime para conquistar a garota. Tragédia anunciada entre os jovens destituídos das periferias, como em outro filme mexicano impactante, recentemente lançado no Brasil, Chicuarotes.

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Cena do filme argentino 4×4.

O Festival de Sitges trouxe, como esperado, várias produções espanholas, e os filmes que vi mostraram uma certa vitalidade, embora a questão social não esteja tão evidente. Em La Jauría (em tradução livre, “A Matilha”), de Carlos Martín Ferrera, quatro homens, que não se conhecem, acordam presos e acorrentados dentro de um carro no meio de uma floresta isolada. O filme usa da situação tensa para buscar desvendar quem e o que os teria levado até ali, e o porquê da situação absurda. Até que uma garota aparece no meio do nada e muda o rumo das coisas. Um final frouxo para uma história bem construída. Já a produção catalã Cuerdas (“Cordas” em tradução livre) conta uma história manjada, mas que prende o espectador até o final, mesmo abusando dos clichês do gênero. Uma garota adolescente, tetraplégica e presa a uma cadeira de rodas, vai para uma casa de campo isolada juntamente com seu pai e o pastor belga Athos, que acidentalmente é mordido por um morcego. O pai sofre um ataque cardíaco e morre, enquanto o cão contrai raiva e se volta furiosamente contra a garota dentro da casa. No confronto, ela terá de usar todos os (poucos) recursos disponíveis para salvar sua pele. É o primeiro longa-metragem do renomado roteirista e diretor de curtas catalão, José Luís Montesinos.

 

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O diretor catalão José Luís Montesinos, de Cuerdas.

Os Estados Unidos continuam liderando o número de produções em festivais de cinema fantástico, dada sua longa tradição no gênero. No Festival de Sitges deste ano, não foi exceção e quase a metade das produções era norte-americana. Mas, como é praxe na maioria dessas produções, os filmes padecem de certos exageros estilísticos e narrativos que tiram sua força. É o caso da ficção científica Colour Out of Space, que será lançada no Brasil em dezembro com o título de A Cor Que Caiu do Espaço. Dirigido pelo veterano cineasta Richard Stanley e protagonizado pelo multi-ator Nicholas Cage, o filme é baseado em história do escritor H.P. Lovecraft (1897-1930), conhecido como o pai do terror moderno, sobre um meteorito que cai no quintal de uma casa isolada na floresta de uma família típica classe média americana. O meteorito emite cores e sinais incomuns, que aos poucos vão tornando forma de uma presença alienígena maligna que se apodera de todos na casa. O filme é visualmente impactante, mas é tão over e tão esticado que cansa. Outro filme sobre alienígenas, mais sutil e assustador, mas com um final altamente piegas, é Dark Encounter, de Carl Strathie. Fala de uma família no interior dos Estados Unidos, cuja filha caçula de 10 anos desaparece misteriosamente numa noite em que ficou sozinha na casa e nunca mais foi encontrada. O fato abala profundamente a família, até que um ano depois descobrem a presença de discos voadores e alienígenas na região e na casa onde moram. Mas, da metade para o final, o que seria um filme de ficção científica se torna um drama familiar de proporções gigantescas, visto que os alienígenas têm a chave do que aconteceu com a filha desaparecida.

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Cena do filme Dark Encounter

Os filmes asiáticos, principalmente produções japonesas e sul-coreanas, são imbatíveis em festivais do gênero fantástico e têm seguidores empolgados em todos os cantos do planeta. Como sempre, o Festival de Sitges trouxe várias animações, documentários e filmes daquela região. A marca registrada dos sul-coreanos são os filmes de ação e de zumbis. Vi uma paródia muito bem sacada sobre esses filmes chamada The Odd Family: Zombie on Sale, de Lee Min-Jae. Conta a história de uma família que “adota” um jovem zumbi, que se tornou morto-vivo em função da contaminação da água de uma represa próxima. Esse pobre zumbi é vidrado em repolho cru com ketchup e, ao perder os dentes depois de apanhar muito, usa dentadura para comer e morder as pessoas, que se rejuvenescem após a mordida. Um filme muito engraçado e com tom de crítica social que fez o cinema vir abaixo de tanto dar risada. Outro filme sul-coreano, desta vez de ação, é Unstoppable (Seongnan hwangso), de  Kim Min-Ho. Conta a história de um homem ingênuo e aparentemente pacato, que trabalha com descarregamento de pescados juntamente com um amigo e tenta abrir um negócio juntos. Mas, o negócio dá errado e ao pedir empréstimo para uma gangster local, sua mulher é raptada, desencadeando a ira deste homem, que não medirá esforços (e força!) para descobrir quem a raptou. Quase duas horas de porradas e lutas meticulosamente filmadas, para o deleite dos fãs do gênero.

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Zumbi doido por repolho com ketchup no sul-coreano The Odd Family.

O cinema europeu, com exceção da Itália, tem pouca tradição no gênero fantástico, mas nos últimos anos as produções europeias de gênero vem superando as expectativas. Dois ótimos filmes que estiveram em Sitges este ano também passarão pela 43ª Mostra de Cinema de São Paulo, que começa nesta semana. A produção francesa L’Angle Mort (“Ponto Cego”), de Patrick-Mario Bernard e Pierre Trividic, é um filme sobre invisibilidade no seu sentido literal e figurado. Conta a história de alguns parisienses que têm o dom de ficar invisível. O que seria algo desejado por muitos, é causa de dor, sofrimento e solidão para os que têm esse superpoder. Um filme habilmente conduzido que assistimos com um misto de curiosidade e aflição. Da Suécia, o estranho e perturbador Ko-ko di Ko-ko da, de Johannes Nyholm, que certamente despertará exasperação e paixão na plateia. É sobre um casal que passa por uma tragédia pessoal e decide acampar num lugar ermo. Ali, eles vivem experiências que irão se repetir várias vezes ao longo do filme, um movimento repetitivo e contínuo com desfechos diferentes, todos violentos. Mas, de quem será aquele gatinho branco que ronda o local do acampamento?

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Cartaz do filme sueco Koko-di Koko-da

Apesar de trazer filmes diversos, o Festival de Sitges, como a maioria dos festivais de cinema fantástico, ainda tem um longo caminho a percorrer na inclusão de filmes realizados por pessoas de diversos gêneros e que possam trazer diferentes narrativas e perspectivas.